quarta-feira, 15 de setembro de 2010

PostHeaderIcon Morangos Silvestres: retrato psicanalítico da culpa numa velhice misantrópica





Existem obras que conseguem se tornar marcantes para nós. Acredito haver pelo menos dois motivos para tal: sua capacidade de nos fazer refletir, bem como de nos propiciar estreita identificação com algum personagem ou situação. Pessoalmente, enxergo ambas as características em “Morangos Silvestres” (Smultronstället, Suécia, 1957) de Ingmar Bergman. Tive recentemente a oportunidade de mais uma vez o reassistir, dessa vez em película na sessão de arte/ clássicos do São Luiz. Meu contato inicial com a obra se dera em 2006 e a paixão fora imediata e arrebatadora. Devo tê-lo assistido pelo menos uma vez mais, antes desta última, mas fazia pelo menos um ano que não voltava a ele. Assistindo-o no cinema consegui empreender uma visão mais crítica e afastada, percebendo alguns deslizes nítidos (que não só eram-me imperceptíveis, como impensáveis nas primeiras vezes que o contemplei), os quais, no entanto, pouco irão acrescentar a este texto.
Antes de adentrarmos no enredo, gostaria de recorrer a alguns dizeres de Bergman, extraídos de um livro com entrevistas do cineasta, intitulado “O cinema segundo Bergman” (Ed. Paz e Terra, 1977); como “Morangos Silvestres” é de meus filmes mais caros, sinto-me impelido a tentar empreender uma análise mais aprofundada dele, ainda que sem estender-me em demasia. Pois bem, no livro mencionado, Bergman esclarece que o mote da obra se baseia num sentimento de nostalgia em relação à infância (chega a citar Maria Wine, segundo quem “dormimos no sapato da nossa infância” [.p.109]); temos, portanto, um forte indício psicanalítico, ao menos da psicanálise freudiana. Ainda que o cineasta negue tal influência (ao menos no âmbito consciente da criação), tendo afirmado “O lado psicanalítico do filme não me parecia nem um pouco evidente. É uma etiqueta que outros colocaram nele, depois” (p. 115), sua posição me parece equivocada, pois os sonhos possuem papel fundamental em “Morangos silvestres”, sendo que pelo menos o primeiro – na minha interpretação – expressa um desejo (novamente Freud).
Para quem conhece Bergman minimamente, não é necessário mencionar que a obra traz aspectos bastante pessoais; no entanto, a mim parece que este tem alguns indícios auto-biográficos, sensação esta que é corroborada pela fala do próprio, ao afirmar: “este homem deveria ser um velho egocêntrico, cansado, que tinha se afastado completamente do mundo que o cercava, como eu mesmo o fiz” (p. 109); é curioso salientar que, apesar de não ser exatamente um velho quando realizou tal obra, em documentário recentemente produzido sobre sua vida, intitulado “A ilha de Bergman”, o cineasta aparece vivendo sozinho e isolado, na célebre e emblemática ilha de Faro, já bastante idoso. Tenho forte impressão que o médico Isak Borg e o cineasta Ingmar Bergman tiveram em comum o fato de darem ênfase em suas vidas profissionais em detrimento de suas relações pessoas/ afetivas. Passemos então ao filme propriamente dito.
“Morangos silvestres” narra a história de um velho misantropo, egocêntrico e egoísta, porém educado e refinado, que obviamente não cultiva relações pessoais prósperas, mas é um competente médico que viajará para receber uma homenagem acadêmica. Seu nome, como dito acima, é Isak Borg (nome que pode ser traduzido como “fortaleza de gelo”, numa escolha proposital de Bergman, que, aliás, afirmou só posteriormente ter percebido que o personagem tem suas mesmas iniciais); tal personagem é interpretado pelo veterano Victor Sjöströn, diretor de célebres filmes do cinema mudo sueco, como “A carruagem fantasma” (1921) e “Ingeborg Holm” (1913). Ao decidir ir não mais de avião, mas de carro, acaba tendo a companhia de sua nora Marianne (Ingrid Thulin) que estava momentaneamente separada de Evald (Gunnar Björnstrand), filho único e indesejado de Borg (que, aliás, fora traído pela esposa, a ponto de Evald dizer a Marianne que nem sabe se é mesmo filho daquele que chama de pai), em virtude de seu posicionamento pró-aborto dela (numa de suas falas, quando é surpreendido pela notícia da gravidez, Evald se posiciona veementemente contra ela, afirmando não ser este um mundo bom para se pôr nele um filho). Toda a história gira em torno da viagem de Borg, sendo intercalado por diálogos com alguns interlocutores (entre os quais Marianne é a mais significativa, sendo a única que o enfrenta – aliás, a altivez de Ingrid Thulin merece meu louvor pessoal, bem como o do próprio Bergman, que afirmou “Uma pessoa qualquer não poderia responder a uma personalidade tao impressionante quanto Victor Sjöström” (p. 124)), bem como por lembranças e sonhos do protagonista (as primeiras o transportam para sua juventude; os últimos apontam sua culpa e sua condição vegetativa).
Borg tem 78 anos (isso é mencionado), e já no início do filme, destaca sua dedicação à ciência e o caráter arisco de sua personalidade, ao se auto-intitular meticuloso e afirmar ter tornado sua vida, bem como a daqueles que o cercam, difícil. Ainda no início da obra, numa das cenas mais espetaculares de toda a história do cinema, somos transportados a um sonho do protagonista: Borg se encontra sozinho em uma cidade que aparenta estar completamente deserta; avista um grande relógio pendurado sobre uma casa, estando ele sem ponteiros; tira então um velho relógio (daqueles presos numa corrente, que não possuem pulseira) e constata também nele a inexistência de ponteiros (o que parece-me indicar estar ele parado no tempo e/ou sua relatividade/ ausência de sentido)/ a seguir, avista alguém de costas que, ao se virar, ostenta uma estranha fisionomia, com olhos e boca fechados, aparentemente colados (o que pode indicar incomunicabilidade); em seguida, tal pessoa se dissolve, restando somente suas roupas (mostrando talvez a dissolução das relações pessoais do protagonista: a única pessoa que encontra se dissolve). Vemos então uma carroça dobrar a esquina (uma possível alusão ao filme “A carruagem fantasma” de Sjöströn); uma de suas rodas se solta e rola em direção a Borg que se esquiva, assustado, sendo quase atingido por ela. Na seqüência, o veículo se engancha num poste e ao tentar desvenciliar-se do empecilho, derruba um caixão que cai entreaberto; ao avançar em direção a ele, Borg vê uma mão se erguendo e em seguida, constata perplexo ser ele mesmo o suposto cadáver (acredito haver aqui uma inversão de papeis: um Borg literalmente morto buscando a vida – ele puxa o braço do Borg que o fita de fora do caixão – e um Borg que apesar de vivo, não vive, mas sobrevive, vegeta, sendo, portanto, um morto-vivo). Não bastasse a soberba – e verossímil – caracterização de um sonho (contemplando de forma bastante convincente suas dimensões onírica e alegórica), tal cena é também um primor estético, constituindo simultaneamente a mais bela e realista apresentação de um sonho que já vi no cinema.
Como dito anteriormente, Marianne é a única que se atreve a confrontar Borg, contribuindo assim para abrir-lhe os olhos, ao afirmar que nele o egoísmo está disfarçado em civilidade e charme, bem como mencionando suas opiniões categóricas (ela cita um exemplo específico do qual não me recordo, mas que é certamente pejorativo em relação ao interlocutor do velho médico). Ao encontrar a jovem Sara (Bibi Anderson), acompanhada de dois jovens que disputam seu amor, Borg relembra sua juventude (coisa que também faz ao visitar a casa onde ele e sua família morava nesta época e onde vê sua amada – que apesar de ser sua namorada, será desposada por seu irmão – colher os morangos silvestres que dão nome ao filme); tais lembranças são mostradas em flashback e constituem, e minha opinião, um momento menos rigoroso do filme (atuações medianas, cenas não tão bem realizadas/costuradas quanto as que trazem os atores principais); cabe salientar um ponto destacado na resenha do filme presente no livro “1001 filmes para assistir antes de morrer”: ao intercalar tais sonhos e lembranças com conversas que vemos em tempo real, Bergman nos apresenta traços subjetivos e objetivos do protagonista, evitando a perspectiva unilateral do vislumbramento do mundo exclusivamente pelos olhos de Borg.
Outra passagem bastante significativa e esclarecedora é aquela onde Borg vai visitar sua mãe (não lembro bem sua idade, mas é na casa dos noventa, se não me engano), acompanhado por Marianne, que ao ver a mãe de seu sogro, percebe que a frieza e egoísmo de seu esposo fora-lhe transmitidas de geração em geração (aqui, pareceu-me que além do aspecto cultural, sugeriu-se, ou mesmo afirmou-se um componente hereditário no sentimento de frieza do qual discordo). Antes disso, passam num posto e o frentista (interpretado por Max von Sydow), após atender Borg, recusa seu pagamento, afirmando que não esqueceu o que ele fizera (não se menciona o que seja, mas deduz-se que seja uma assistência médica, provavelmente gratuita ou a preço simbólico), o que mostra que o protagonista não só é profissionalmente competente, mas bem quisto por pessoas que não tiveram convivência íntima com ele. Porém, o próprio não deixa de ter consciência de seus espinhos, como quando, ironizando a homenagem que irá receber, diz a si próprio que deveria receber o título de idiota honorário (de fato, parece que o desperdício de vida de alguém que é culto e inteligente é maior que o das pessoas comuns). Porém, sua compreensão acerca de o quão desagradável é para os outros é ambígua, pois aparenta não só surpresa, mas mesmo certa perplexidade ao perceber que a rejeição a ele é maior do que supunha (ela afirma que Evald o respeita, mas também o odeia). Ainda que não se não se desça aos aspectos mais viscerais do ressentimento (como faria em “Sonata de outono” – já resenhado neste blog http://miradourocinematografico.blogspot.com/search?updated-min=2010-04-01T00%3A00%3A00-03%3A00&updated-max=2010-05-01T00%3A00%3A00-03%3A00&max-results=1 – ou em “Saraband”), Bergman não deixa de apresentar (como sempre), relações familiares deveras conflituosas, mesmo que não vislumbremos as brigas/ discussões presentes nos dois filmes citados a pouco.
As relações de Borg não são difíceis apenas com seus familiares, mas também com sua governante: ambos vivem as turras, constituindo dois idosos um mais rabugento que o outro. Numa das cenas de humor (sarcástico) do filme, Borg, após começar a ter uma maior consciência de quão desagradável é para os demais, age gentilmente com a governante que, surpresa, pergunta se ele está doente. Outra das raras cenas nas quais a harmonia se sobrepõe aos embates/ tensões/ lamentações é aquela na qual Borg, Marianne e os jovens fazem uma refeição ao ar livre e há verdadeira comunhão durante o recitar de uma poesia (não lembro quem começa, se o próprio Borg ou um dos rapazes, mas lembro que este é complementado por Marianne). A tranqüilidade não é inalcançável afinal.
Outra cena antológica, a qual – penso eu – pode-se dizer que se destaca da obra como um todo é a retratação de mais um sonho de Borg, no qual ele é julgado, numa mistura de tribunal judicial e exame de medicina (novamente a ambigüidade dos sonhos); primeiramente, é-lhe pedido que examine uma paciente; mal começa a fazê-lo e constata – dizendo-o ao examinador – que a paciente esta morta, mas basta proferir tal diagnostico para que ela se ponha a gargalhar escarnecidamente. Pede-se em seguida que ele profira o mandamento máximo de um médico e ele se surpreende ao perceber que esqueceu; o veredicto do examinador é o de incompetência por parte do velho médico; diante de uma pequena bancada que nada fala, é ele também condenado por indiferença, egoísmo e falta de consideração, tendo como pena a solidão. Acredito ser nesta cena que lhe chamam de frio como gelo; por fim, Borg dar-se conta de que pensou saber tanta coisa, mas não sabe de nada (novamente a questão do acúmulo de conhecimentos refinados e cultura erudita que nada contribuíram para algo mais essencial que a erudição: a sabedoria do bem viver).
Pessoalmente, acredito que pela forma com que Bergman conduziu o filme, qualquer desfecho categórico seria insatisfatório, de modo que o final, ao conseguir não ser nem otimista nem pessimista de modo enfático, sem também cair na apatia, encerra-se com um desfecho convincente e equilibrado, nisso diferindo de “Viver” (de Akira Kurosawa), o qual, ao converter o desperdício de uma vida em redenção derradeira encerra-se de maneira otimista. Até onde recordo, tal palavra passa longe dos filmes mais viscerais de Bergman.

Alberto Bezerra de Abreu, setembro de 2010
domingo, 15 de agosto de 2010

PostHeaderIcon Viver: desperdício convertido em redenção





Na noite da última sexta-feira não estive no local de costume, pois desisti de cursar a disciplina “sinuca II” este semestre. Assim, me encontrava em casa, lendo o primeiro volume do livro “O conceito de tecnologia”, do filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto, autor/ obra estes que constituem a base de minha dissertação de mestrado. Tal leitura era embalada pelo álbum “The crucible of man” do Iced Earth. Repentinamente tive um pensamento que não constituía propriamente uma novidade em minhas reflexões em termos de temática, mas que revelou uma nova feição em relação a um contexto específico. Explico: muito antes de sequer cogitar fazer filosofia já peguei-me refletindo sobre o sentido da vida, questão essa que parece afligir a muitos (apesar de que nos últimos tempos as pessoas em geral parecem cada vez mais preocupadas em imitar, em detrimento de pensarem com a própria cabeça). No entanto, dessa vez foi diferente, pois tive inicialmente o seguinte pensamento: se eu morresse agora (me refiro ao momento em que tive o pensamento) e pudesse fazer um balanço do valor de minha vida, a que conclusão eu chegaria? Devido a evidente conotação metafísica de tal reflexão, optei por reformula-la da seguinte maneira

(prescindindo da ideia de uma vida postmortem): se eu descobrisse agora ter pouco tempo de vida, que julgamento faria do que foi ela até então? Evidentemente esta reformulação dá ao indivíduo a possibilidade de ao menos fazer com que o epílogo de sua existência valha apena; tipo: “o que você faria se soubesse ter pouco tempo de vida?”. Parece haver duas respostas básicas para tal questão, as quais não são necessariamente – ao menos assim penso eu – auto-excludentes. São elas: procurar exceder-se e certos tipos de prazeres como bebida e sexo ou buscar outro tipo de prazer mais profundo e duradouro, aquele advindo da valorização e boa convivência com as pessoas. Afinal, já diz o ditado que só damos valor quando perdermos, de modo que muitas vezes amamos alguem mas nossas atitudes acabam não estando de acordo com tal sentimento.

Toda essa minha reflexão pessoal me remeteu a um filme que assisti recentemente: “Viver” (Ikiru, 1952) de Akira Kurosawa. Cheguei a tal filme através da leitura da sinopse do DVD “Morangos Silvestres” de Ingmar Bergman (ele de novo!), a qual afirmava serem estes dois filmes, juntamente com “Umberto D” (de Vittorio De Sica) obras fundamentais sobre a temática da velhice. Na realidade, ainda que o filme de Kurosawa traga um protagonista já um tanto velho, a temática trata menos da velhice que da morte eminente, devido a um câncer de estomago; a maneira como o personagem recebe o diagnostico (ou melhor, não recebe) é impagável. Humor na tragedia, como só os grandes sabem expressar. Ao contrário do glacial Isak Borg (protagonista de “Morangos silvestres”), o protagonista de “Viver” não é frio e arrogante, mas antes híbrido e apático. Perde-se na burocracia, mergulhado em toneladas de papeis, agindo de modo mecânico e desanimado. É deveras interessante o exemplo da jovem que abdica do emprego na repartição (ou algo do tipo, lembro-me apenas que se trata dum ambiente burocrático, destinado a aprovar obras públicas) por considerar tal ambiente como morto. Prefere então mudar de emprego, executando um trabalho pesado, dando-nos um contundente exemplo de alguém que não se deixa dominar pelo comodismo, ao contrário dos parasitas burocráticos que empestam o local. A caracterização que Kurosawa faz do sofrimento do povo, que, buscando melhoria em suas condições de vida ver-se num jogo de empurra-empurra onde ninguém assume as responsabilidade que lhe cabem expressa uma crítica social deveras verossímil e pertinente, talvez até mais ao ocidente que ao oriente.

Ao saber de sua condição terminal, o protagonista primeiramente se entrega a bebedeira e a putaria. Com o passar do tempo, porém, percebe que não será com tais prazeres superficiais que fará sua vida ter um sentido maior. Entrega-se então à missão de humanizar – um pouquinho que seja – o ambiente no qual trabalha, visando o bem-estar da população ao invés da comodidade dos funcionários que não se empenham em absolutamente nada. Seu empenho terá como fruto a construção de um parque/praça, no qual ele irá protagonizar uma das mais belas cenas da história do cinema (curtinha e em flashback). Acredito que as obras de Kurosawa tragam lições, e duas das presentes neste filme são a de que a vida tem o sentido que lhe damos e que ela é curta demais, não devendo, portanto, ser negligenciada. Afinal, como escreveu Clarice Lispector: “A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar duram uma eternidade. A vida não é de se brincar porque em um belo dia se morre”.


Alberto Bezerra de Abreu, 21/03/2010

sábado, 7 de agosto de 2010

PostHeaderIcon Um dia muito especial: cotidiano + paixão + fascismo + subversão = obra-prima





Enfim a sessão de clássicos do cinema São Luiz deixou de lado as comédias (nada contra, mas acredito que seria melhor ter variado o gênero ao invés terem passado duas seguidas: “Meu Tio” e “Quanto mais quente melhor”). “Um dia muito especial” (Una Giornata Particolare; Itália, 1977, direção: Ettore Scola ) constitui uma espécie de drama de costumes e simultaneamente, romance malfadado. A história se inicia com imagens de arquivo da visita de Hitler a Itália e sua recepção pública por Mussolini. Na realidade, tais cenas possuem uma duração até longa se levarmos em conta que sua utilização se dá a título de introdução ou prólogo. Em seguida, vemos uma dona-de-casa italiana (Antonietta, interpretada por Sophia Loren) acordando seus vários filhos (não lembro exatamente quantos) e marido; os preparativos cotidianos deles são mostrados com certo detalhe, o que demonstra certo viés realista do filme (numa de suas falas, a personagem de Loren afirma que precisariam três mães na casa: “uma para arrumar a cozinha, outra os quartos e eu, para dormir”); não demora muito e somos informados que todos – exceto Antonietta – irão ao desfile militar no qual Hitler será recebido por Mussolini (aquilo que é mostrado no prólogo, como já dissemos); a maneira como a câmera passeia em visão panorâmica pelo prédio popular no qual a família reside é belíssima e mostra como praticamente todos os habitantes do local se dirigem para o tal grande evento.
O título do filme tem um duplo sentido: trata-se de um dia especial pelo desfile nazi-fascista que as pessoas em geral acompanham com entusiasmo, bem como um encontro insuspeito entre duas pessoas que sobrevivem apesar das dificuldades e ao se conhecerem, acrescentam algo importante na vida um do outro. Tudo se inicia quando o pássaro de estimação da família de Antonietta foge pela janela, pousando próximo da janela do apartamento em frente; a mulher percebe que há alguém lá e tenta gritar de seu apartamento, mas sem obter resultado, acaba tocando na campanhia do vizinho, que atende surpreso. Vemos então um homem maduro, gentil e educado, mas com um ar levemente melancólico; trata-se de Gabriele (Marcello Mastroianni), um intelectual (vemos em seu apartamento diversos livros – um dos quais ele empresta a Antonietta – e alguns quadros) recentemente demitido de seu emprego de locutor de radio devido as suas tendências consideradas subversivas durante o vigente regime fascista. Uma das grandes sacadas do filme é que a subversão de Gabriele não se refere – como pensei inicialmente – a simpatia ou mesmo adesão ao comunismo, tratando-se antes de um detalhe que prefiro não revelar, pois aqueles que não lerem a sinopse do filme podem ter a mesma surpresa que tive ao assisti-lo (a sinopse estraga a surpresa mas eu não farei isso aqui!).
Após uma estadia não tão breve assim na casa de Gabriele, Antonietta volta ao seu apartamento, mas ele, que mora só e estava bastante solitário (na realidade, ao tocar em sua campanhia ela evitou que ele cometesse suicídio) a visita em seguida; um elemento cômico (e simultaneamente realista) é a zeladora do prédio (uma figura desprezível: fofoqueira, preconceituosa – adepta ortodoxa do fascismo que, apesar de não ter ido ao desfile, acompanhou-o atentamente pelo rádio – e ostentando um incômodo buço que lhe confere certo ar de repugnância), que por duas vezes bate na porta de Antonietta, não tanto para censura-la por estar sozinha com um homem em seu apartamento, mesmo sendo casada e mãe de vários filhos, mas antes por estar na companhia de um subversivo. É deveras interessante o dilema na qual a dona-de-casa se vê: apesar de ter ficado bastante interessada naquele homem peculiar, ela é casada; além disso, mesmo que nada ocorra entre eles, ao receber sozinha um cavalheiro em sua casa ela está batendo de frente com uma convenção social; há ainda uma oposição entre Antonietta e Gabriele que só ficará mais explicita no decorrer do filme: ela é também entusiasta do fascismo e tem adoração por Mussolini a ponto de ter um álbum com fotos dele e ter feito uma imagem sua formada pela junção de botões de diversas cores. Ele, apesar de não estar profundamente envolvido com política é, de fato, um “subversivo”. Apesar de ser uma mulher forte, Antonietta não questiona o machismo do fascismo e Gabriele discorda dela, afirmando que uma mulher pode sim ser um gênio: cita como exemplo sua própria mãe num belo diálogo. Aliás, momentos belos são o que não faltam neste ótimo filme: numa cena de uma beleza singela e tocante, Antonietta inventa uma desculpa qualquer para sair da presença de Gabriele e vai até o banheiro para ajeitar seu cabelo, calçando em seguida sapatos de salto alto (já no apartamento dele ela mexia na meia para esconder um furo); ele percebe a mudança em seu cabelo e acredito que este pequeno detalhe revele muito da condição subversiva dele, mas isto só me ficou claro posteriormente.
O beijo entre os dois no pátio onde são estendidas roupas é poética e peculiar, além de muito bonita esteticamente: com o sol atrás deles, vemos apenas os contornos de seus corpos, próximos um do outro. No entanto, não lhes seria possível terem um romance tradicional e em outra passagem marcante, Gabriele esbraveja contra as três funções que deveriam ser exercidas por um verdadeiro homem fascista: as de marido, pai, soldado, afirmando que não poderia ser nenhuma delas. O filme se passa em um único dia (o tal dia especial do título) e seu desfecho não podia ser mais realista, não fazendo concessões ao romantismo. Se saí do cinema encantado naquela noite de sexta-feira, neste momento, ao escrever este texto, percebo que meu apreço pelo filme tornou-se ainda maior. Percebo nele possíveis ecos do neo-realismo italiano, mas com pitadas de romance, além de uma sofisticação que inexistia naquele estilo. Não me parece exagero atribuir a “Um dia muito especial” a alcunha de obra-prima.


Alberto Bezerra de Abreu, 31/07/2010
domingo, 25 de julho de 2010

PostHeaderIcon Mary e Max: uma improvável amizade como alento de dois solitários








Não fosse uma amiga eu teria perdido o excelente “Tudo por dar certo” de Woody Allen (em breve resenhá-lo-ei) e de quebra também teria perdido o interessante “Mary e Max” (resolvi assisti-lo após ver seu trailer antes da exibição do filme de Allen). Saber que a animação é baseada numa história real tornou-a ainda mais interessante a meus olhos, mas devo confessar que as expectativas do trailer (sobretudo em relação ao humor) não se concretizaram, talvez por eu tê-lo assistido menos de uma semana após a já elogiada comédia de Allen que é engraçadíssima (compara-las é covardia).
O início de “Mary e Max” é soberbo: mostra-se algumas casas de uma cidade australiana na qual reside a pequena Mary Daisy Dinkle, então com 8 anos de idade. O destaque vai para os pequenos detalhes, cuidadosamente pensados e exibidos (bola de futebol americano no telhado, patim esquecido no jardim, cueca no varal), bem como para a excelência da animação, a qual se refere não só aos objetos, mas também as personagens. Quando o filme começa a expor seu enredo, passamos a conhecer a degradada família de Mary: seu pai trabalhava pondo os cordões nos saquinhos de chá e preferia passar seu tempo livre na companhia de animais empalhados do que com sua filha; a mãe, por sua vez, é o perfeito arquétipo da “baranga”, fumando constantemente e entupindo-se de chá de xerém, exibindo sempre “bobs” na cabeça e um batom de um vermelho intenso nos lábios e praticando furto de objetos que esconde dentro do vestido que usa. Como a garota não possui amigos, sua maior diversão é comer doce de leite assistindo a seu desenho favorito na companhia de seu galo (!) de estimação.
Certo dia, folheando uma lista telefônica dos EUA e surpreendendo-se com a extravagância dos sobrenomes ali expostos, a garota é obrigada a sair da loja as pressas, pois o furto da sua mãe fora descoberto e esta puxa sua cria o mais rápido possível (não antes que ela possa rasgar um pequeno pedaço da lista telefônica com o endereço de um certo Max Jerry Horowitz, de 44 anos).
Não sabendo bem o que escrever, a garota resolve perguntar de onde vêm os bebês nos EUA (na Austrália eles eram encontrados dentro de canecos de cerveja, como lhe dissera um adulto...); em delicioso e ingênuo diletantismo criativo infantil a garota cogita que nos EUA os bebês sejam encontrados dentro de latas de Coca-Cola, mas logo descarta a idéia, afirmando para si mesma que eles não passariam pela pequena abertura das latas. A tal questionamento, soma informações pessoais suas, afinal, escrevia para um completo estranho. Anexa ainda uma barra de chocolate, sem imaginar que seu futuro amigo é um grande apreciador de tal alimento (ele inventara o “cachorro-quente de chocolate”).
Saímos então de uma ensolarada, mas não exatamente bela cidade australiana e vemos uma Nova York cinzenta, sombria e hostil. Max reside num velho apartamento, tendo companhia diversos animais bizarros, como um peixinho de aquário (no decorrer do filme ele morre, sendo substituído por outro e este por outro, cada um deles tendo o mesmo nome, acrescentado-se a ele um número a mais), um papagaio e um gato caolho. Sua forma de lidar com situações novas (que para ele são sinônimos de problema) é peculiar e cômica, se vista de fora: subir num tamborete e tremer de pavor. Suas consultas a um psicanalista, participação num grupo de ajuda de comedores compulsivos e a existência de um amigo imaginário só reforçam o estereotipo (cativante, diga-se de passagem) de uma alma extravagante a atormentada.
Nasce então uma improvável amizade entre os dois solitários, alimentada por cartas através das quais conhecemos em detalhes a vida de cada um deles. Até que algo põe fim a tal amizade, que será retomada em termos não exatamente otimistas no final.
A caracterização dos personagens é excelente, não só em termos de personalidade, mas de expressividade de suas feições e gestos (superiores a interpretações de muitos atores profissionais); em que pese o humor de passagens como a existência de um caderninho no qual Max desenha expressões faciais com as legendas “zangado” e “alegre” (para assim tentar contornar sua incapacidade de “ler” a expressão facial das pessoas) e o vizinho de Mary que perdera as duas pernas na guerra (devoradas por piranhas), tendo adquirido fobia a sair de casa (toda vez que tentava faze-lo era vítima de algo que realmente punha em risco sua vida), tais momentos apenas amenizam, mas não suprimem o tom fortemente melancólico da obra. Mesmo constituindo-se numa bela ode à amizade e não optando por um final propriamente pessimista, o filme não aposta num ingênuo (e pouco convincente) desfecho no qual todos (ou ao menos os bons, se é que isso existe) viveram felizes para sempre.

Alberto Bezerra de Abreu, 24/07/2010
quinta-feira, 8 de julho de 2010

PostHeaderIcon Chico Xavier – o filme: sobriedade e sentimentalismo em doses adequadas






Pela primeira vez em 2010 aderi ao circuito cinematográfico comercial e fui ao “xopis” Boa Vista assistir a “Chico Xavier” com a pior das expectativas possíveis, em virtude de se tratar de um filme da Globo Filmes. No entanto, surpreendi-me positivamente (a expectativa – boa, evidentemente – constitui a matéria-prima fundamental da decepção, como já ensinara Schopenhauer); apesar de acessível e clichê, a obra não se perde em infinidade de lugares-comuns, não apela ao sentimentalismo fácil (certamente há cenas que talvez arranquem lágrimas dos mais sensíveis, mas não me pareceu que sejam propriamente apelativas) e, acima de tudo, o filme não é tão “novelinha” quanto outros realizados pela mesma produtora. O fato de os personagens principais serem todos interpretados por atores “globais” certamente incomoda um pouco aqueles que como eu buscam se afastar de um cinema eminentemente comercial, mas, em que pesem algumas atuações um tanto caricatas (Giulia Gam e Cássio Gabus Mendes – este último num papel que se revela muito mais breve do que indicava o trailer), os “globais” dão conta do recado a contento daqueles um pouco mais exigentes. Nelson Xavier interpreta um Chico maduro de maneira sóbria, sem excessos que talvez surgissem na interpretação de algum outro ator; Pedro Paulo Rangel é outro ponto alto em termos de atuação, com seu humor característico. No entanto, a grande atuação de “Chico Xavier” fica por conta de Tony Ramos, mas não na obra como um todo e sim especificamente em duas cenas finais: aquela onde lhe é mostrada a carta de seu filho, psicografada por Chico durante o programa de televisão dirigido pelo personagem de Ramos; a forma como este “engasga” (dá uma parada naquilo que estava dizendo, em virtude de ter sido tomado pela emoção) é soberba; a outra cena é a do julgamento, onde afirma ser ateu, mas pede a absolvição daquele que, involuntariamente tirou a vida de seu filho.
O filme investe numa dupla narrativa: Chico velho e Chico jovem (criança e adulto) retratados de forma alternada, sem, contudo, acarretar nenhum tipo de complexidade na narração (trata-se de uma obra acessível, destinada ao chamado “grande público”). Não deixa de haver momentos que me pareceram pretensão artística: o primeiro deles se dá justamente na cena inicial, na qual vemos gotas de um liquido sendo pingadas; a câmera está devera próxima do objeto que pinga as gotas e só conseguimos distinguir que trata-se de Chico pingando colírio em seus olhos – já estando velho – a medida que a câmera vai se afastando (remeteu-me a cena inicial de “Clube da Luta”); já a outra cena com supostas pretensões artísticas ficarei devendo, pois não lembro qual seja (assisti ao filme apenas uma vez antes de resenha-lo). Como não poderia deixar de ser, há clichês, sendo dois deles mais nítidos: quando o personagem de Ramos pede a Chico que psicografe ao vivo durante o programa de televisão é fácil deduzir que a carta será do filho daquele. E o final nada tem de abrupto: sabemos bem “o filme está acabando” a medida que a película de aproxima de seu final.
Um aspecto insuspeito a ser destacado é a ironia de Chico mostrada no filme; esta não aparece nele enquanto criança ou jovem, mas aparece no Chico maduro, sobretudo na cena da entrevista. Isto remete a outra coisa, a qual, curiosamente, foi o que me fez ter vontade de escrever sobre o filme: durante seus créditos finais são mostrados trechos da entrevista da participação de Chico no programa de televisão (o Chico real) e podemos constatar que algumas das falas do personagem no filme durante a entrevista são reproduções exatas daquilo que Chico falara na vida real (como sua fala não condenatória do sexo e a reza do pai nosso por ele iniciada), ao passo que outra de suas falas foi adaptada numa cena que mostrava o acontecimento em “tempo real” (trata-se do episodio em que, durante uma turbulência no avião, Chico teria entrado em estado de pânico, tanto quanto os demais passageiros, sendo censurado por seu espírito guia, Emanuel, a quem, no entanto, ele não dera ouvidos). Este fato é demasiado importante, pois expressa que em pelo menos parte do filme procurou-se ser o mais fiel possível a realidade histórica (aqui poderíamos entrar na espinhosa questão de até onde se pode admitir a licença poética quando se trata de adaptar uma obra baseada em fatos reais – pessoalmente acho bastante problemático e arriscado misturar realidade e ficção, sendo partidário de documentários no que concerne a retratar fatos/ personagens históricos, mas não sou ortodoxo quanto a isso). Cabe salientar que justamente nestes trechos de falas do Chico real nos créditos finais podemos notar ainda mais que no personagem cinematográfico traços de ironia, ainda que esta nunca descambe para o sarcasmo, sendo sempre polida e indicando mais inteligência do que puro escárnio.
Quero passar agora a uma discussão mais pessoal da obra: ela opta por focar na vida e obras do personagem, não se atendo muito a explicitar quais seriam as bases do espiritismo (exceto a questão da caridade e da tolerância – ao contrário de um filme como “Amor além da vida” que, até onde me lembro, se aproxima muito, seja da doutrina espírita, seja da formulação filosófica na qual ela supostamente bebe, mostrando inclusive o além desta vida a qual estamos acostumados). E apesar de não adentrar nestas formulações mais específicas do espiritismo (isto se encontrará nos livros para quem se interessar e pasmem! li a anos atrás um livro espírita chamado “Nosso lar”, o qual me pareceu deveras esclarecedor acerca da perspectiva por eles defendida), o filme aponta para dois aspectos éticos que me deram muito o que pensar: 1) a postura do não aceitar retribuição do favor para si mesmo, mas de pedir para que esta seja repassada para outrem (me remeteu ao filme “Corrente do bem”); 2) o imperativo de quebrar os limites que nós mesmos nos impomos: reclamarmos menos e agirmos mais, como quando vemos escorrer sangue do olho de Chico, em virtude do excesso de trabalho no qual ele se engajou (chegando a cuidar mais dos outros que de si mesmo, a ponto de seus familiares lhe darem o ultimato: “ou você sai dessa casa ou saímos nós”, tendo em vista que durante todo o dia o médium recebia dezenas, quiçá centenas de pessoas em sua residência – que não era só sua).
Em suma, apesar do predomínio de atores globais nos papeis principais o filme não se torna “novelesco” demais nem piegas. No entanto, passa longe de ser um filme artístico, um documentário aprofundado ou um primor do entretenimento que mereça ser indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro (vencer tal categoria é uma velha meta tupiniquim nunca alcançada...). Parece-me se tratar de um filme de entretenimento com doses de profundidade no âmbito ético. E o que é mais importante, no meu ponto de vista: trata-se de um filme que faz pensar. Ou pelo menos se propõe a isso.

Alberto Bezerra de Abreu 20/04/2010
domingo, 20 de junho de 2010

PostHeaderIcon Breves considerações a respeito do Oscar® 2010: dicotomia forma versus conteúdo?

Avatar

Guerra ao terror

Bastardos inglórios

A fita branca



Perdi qualquer interesse pelo Oscar ainda antes de deixar a pré-adolescência. Na verdade, listas e premiações me parecem excessivamente questionáveis. Afinal de contas, quais os critérios para julgar a qualidade de algo objetivamente? No caso do Oscar há agravantes: tudo ali me cheira a artificialismo. Parece-me tudo mera encenação. Cannes me parece bastante questionável, porém sério. O Oscar não. Afinal de contas, como levar a sério uma premiação que indica um filme como “Avatar” a categoria de melhor filme?
Abro aqui um parêntese para denunciar minha arbitrariedade de julgamento: não assisti “Avatar”. No entanto, pelo que li a respeito (e nem se tratava duma crítica detratora), bem como pelo trailer que assisti (quando fui ver “Bastardos inglórios” em novembro de 2009, última vez que pisei num cinema comercial, o que voltei a fazer após anos de abstinência), me senti impelido a não ir. Se, por um momento pensei em ir foi só pelo fato de a resenha vender o filme como uma verdadeira revolução técnica da sétima arte, comparável talvez à aquisição de som e cor. Isso muito me interessa por eu estudar teoria do cinema. Afinal de contas, quanto maior for a potencialidade da forma (e nosso poder de manipulá-la), maiores serão as potencialidades do conteúdo. O problema de “Avatar” parece ser o de que o conteúdo não passa de mera justificativa (ou antes desculpa) para mostrar-se a excelência técnica alcançada. Os efeitos especiais parecem então terem fim em si mesmos, sendo o enredo algo secundário. Talvez haja exagero em meu argumento, mas não acredito que ele seja de todo destituído de validade.
Fechado o parêntese, voltemos ao Oscar 2010 (de maneira bastante breve, pois me faltam informações e, sobretudo paciência para tecer maiores comentários a respeito). A cerimônia do presente ano mereceu atenção acima da média por conta da acirrada polarização entre o milionário (e apostador na forma) “Avatar”, de James Cameron e o “pobre” (e supostamente apostador no conteúdo) “Guerra ao terror”, de Kathryn Bigelow. Não por acaso cada filme foi indicado a nove categorias; os dois cineastas foram casados, o que confere maior dramaticidade à polarização. Apesar da mediocridade de tal apelação (e não fui eu quem inferiu que o empate técnico em indicações foi estrategicamente calculado; reproduzo aqui algo que li num jornal, por ter achado uma interpretação bastante coerente com aquilo que conheço da cerimônia do Oscar), acredito num avanço: trata-se da indicação de 10 filmes (antes eram 5), o que garante maior versatilidade (palavra essa que parece incomodar aos conservadores votantes da cerimônia em se tratando de inovações).
Dentre todos os indicados, assisti apenas a dois (“Bastardos inglórios”, como já havia dito – o qual gostei, mas não tanto quanto outros de Tarantino, sobretudo os dois primeiros – e “A fita branca”, do qual não gostei). Partindo desta falta de informação e de interesse acerca da cerimônia deste ano (só não estive de todo alienado dela por ter lido duas ou três matérias de jornais – já que quase sempre dou uma olhada nas páginas de cultura nos fins de semana), limitar-me-ei a comentar minhas previsões; dentre as poucas que me atrevi a fazer, só errei em uma: jurava que Meryl Streep (“Julie & Julia”) ganharia o Oscar de atriz principal, desbancando Sandra Bullock (“Um sonho possível”). Jeff Bridges (“Coração Louco”) e Christoph Waltz (“Bastardos inglórios”), respectivamente como atores principal e coadjuvante não me surpreenderam. Em relação ao filme estrangeiro, adorei a vitória de “O segredo de seus olhos” (Argentina) desbancando “A fita branca” (Alemanha, supostamente favorito) e “A teta assustada” (Peru), mas não havia feito nenhuma previsão a respeito. Quanto à vitória de Bigelow como melhor diretora (desbancando Cameron também na categoria melhor filme), não me surpreendeu (mas não saberia explicar o motivo).
Em suma, mais uma premiação do Oscar que pouco ou nada acrescenta aos apreciadores dum cinema autoral, (algumas vezes pretensamente, outras vezes efetivamente mais profundo). Se alguém souber o motivo de eu ter perdido tempo redigindo um texto sobre isso me avise.


Alberto Bezerra de Abreu (março/abril de 2010)
sexta-feira, 11 de junho de 2010

PostHeaderIcon Quanto mais quente melhor: humor, astúcia e sensualidade








Sexta passada fui assistir ao filme “Quanto mais quente melhor” (Billy Wilder, 1959), que deu continuidade a sessão de arte do cinema São Luiz. É interessante notar que os dois primeiros filmes dessa retomada da sessão de arte (vide postagens anteriores) sejam comedias (a estreia se deu com “Meu Tio” de Jacques Tati). Isto me levou a pensar que o título mais apropriado seria sessão de clássicos e não de arte (concebo filmes de arte que sejam comedias, mas certamente “Quanto mais quente melhor” não pode ser taxado de artístico, pelo menos assim penso eu; além disso, na programação inicialmente anunciada há filmes das décadas de 1950 a 1970, não contemplando, portanto, filmes de arte recentes). Para mim se tratam de filmes consagrados, mas não é objetivo deste texto tratar disso, mas do filme em questão.

Pode parecer estranho, mas ainda que tenha achado “Meu Tio” mais engraçado, considero “Quanto mais quente melhor” mais bem feito (roteiro me parece mais bem amarrado, fazendo o filme fluir melhor, as atuações são superiores); o enredo trata de uma dupla de músicos que presencia um crime e é obrigada a fugir da máfia (disfarçando-se de mulheres acabam embarcando num trem e ingressando numa banda só de garotas); o interesse de um impagável (e um tanto repugnante) velho milionário por “Daphne” (nome adotado pelo personagem Jerry, interpretado por Jack Lemmon) rende momentos engraçados (destaque para a cena em que “Daphne” chacoalha maracás no quarto do hotel, comemorando seu noivado com o velho milionário, bem como a clássica cena final na qual, tentando livrar-se do velho, “Daphne” afirma: “não sou loira natural”, “eu fumo”, “não posso ter filhos” e, por fim, percebendo que seus argumentos não dissuadiam o interesse do milionário, após retirar a peruca: “eu sou homem”, ao que o idoso replica na mais pura tranqüilidade: “ninguém é perfeito”).

O personagem Joe (interpretado por Tony Curtis e que adota o codinome “Josephine”) protagoniza uma das cenas mais impagáveis do filme; ao saber que Sugar (Marilyn Monroe, carnuda e apetitosa!) está a procura de um milionário e que ela tem uma queda por homens de óculos (que lhe parecem mais sensíveis), ele se traveste e incorpora um milionário sensível e mal sucedido com as mulheres; o primeiro encontro deles se dá na praia e a maneira absolutamente cínica como ele se faz notar por ela e vai esnobando-a em seguida – ela diz que toca numa banda de jazz, ao que ele replica algo do tipo: “ah, aquela música rápida. Prefiro música clássica” – é deveras cômica. O mesmo se dá na cena em que ambos estão no iate (conseguido na mais pura malandragem), e ele afirma que após a morte de sua amada, nunca mais sentiu nada por outra mulher; vemos então o personagem de Marilyn dando-lhe sucessivos beijos (almejados por todos os homens do planeta, ou quase) e ele desdenhando (por puro fingimento), gerando uma situação na qual é a beldade feminina quem se joga aos pés de um homem que não era particularmente bonito ou culto, sendo rico apenas na aparência, mas muito inteligente (no sentido de astuto).

Vendo-se obrigados a fugir (pois por uma trágica coincidência os mafiosos foram parar no mesmo hotel e acabaram descobrindo o disfarce de “Josephine” e “Daphne”), Joe telefona para Sugar dizendo que precisou viajar e não mais irá voltar. Ao falar com ela, já como “Josephine” (obviamente ela não sabia desta dupla identidade), ele(a) diz a Sugar que ela irá esquecer o milionário por quem se apaixonara, mas ela retruca: como, se a em toda esquina há um posto Shell (ele dissera ser dono de tal empresa).

Em suma, um filme leve, divertido, bem feito, contando com boas atuações e com uma Marilyn Monroe hipnótica. Passa longe de arte, mas merece sem dúvida a alcunha de clássico.


Alberto Bezerra de Abreu, 11/06/2010

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Alguém que escreve para viver, mas não vive para escrever; apaixonado pelas artes; misantropo humanista; intenso, efêmero e inconstante; sou aquele que pensa e que sente, que questiona e duvida, que escapa a si mesmo e aos outros. Sou o devir =)
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