domingo, 21 de julho de 2013

PostHeaderIcon Terra do silêncio e da escuridão: corajosa tentativa de abordar a ausência de imagem e som justamente através do cinema

                                                                                     Início do filme

                                               Explicação de como funciona a linguagem dos cego-surdos

                                                                                      Visita ao zoológico

                                                            Banho de chuveiro antes de entrar na piscina

                                                            Vladimir Kokol e Fini Straubinger em cena próxima do fim do filme                                   




Embora a programação do cineclube dissenso seja sempre de boa qualidade, o que me levou até a sessão de ontem dos filmes “Últimas palavras” (Alemanha, 1968) e “Terra do silêncio e da escuridão” (Alemanha, 1971) foi seu diretor: Werner Herzog, de quem sou fã há alguns anos. Após meses sem ir ao cinema, o retorno não poderia ter sido melhor.

“Últimas palavras” é um curta metragem de 13 minutos que não me encheu os olhos (e nem o de ninguém na sala, haja vista que no debate pós-exibição ele não foi mencionado sequer pelo representante do cineclube); por sua vez, “Terra do silêncio e da escuridão” foi um grata surpresa, haja vista que se alguns de seus filmes são obras-primas (“Aguirre, a cólera dos deuses” 1972; “O enigma de Kaspar Hauser” 1974 “Nosferatu: o vampiro da noite” 1979 e “Homem urso” 2005 sendo meus favoritos), outros não passam de obras medianas: “Os anões também começaram pequenos” (1970) desperta acima de tudo estranhamento; “Cobra verde” (1987) idem, embora em menor grau e acarretando em seu prejuízo uma sensação de descontentamento que não senti no filme de 1970; “O sobrevivente” (2006) e “Vício frenético” (2009) são convencionais demais e autorais de menos (ao menos essa foi minha impressão inicial ao assisti-los uma única vez, comparando-os com os filmes mais antigos, supracitados).

Datando de 1971, “Terra do silêncio e da escuridão” é um documentário cujo tema são pessoas desprovidas de visão e audição (algumas tendo perdido tais capacidades paulatinamente, outras não as tendo desde que nasceram). Fini Straubinger, uma simpática idosa, constitui o fio condutor da obra: tendo perdido visão e audição na adolescência, ela consegue falar e é a voz dela que nos guia verbalmente durante todo o filme. É verdade que em sua parte inicial a obra é um tanto monótona (opinião não só minha, mas de outros espectadores da sessão); contudo, aos poucos o filme vai crescendo. Porém, antes de adentrarmos no clímax, cabem algumas considerações: primeiramente, convém esclarecer como tais pessoas (cego-surdos) conseguem se comunicar: trata-se duma linguagem na qual o emissor escreve na mão do receptor; há uma breve explicação de como isto funciona, da qual lembro o seguinte: tocar na ponta de cada um dos dedos corresponde a cada uma das vogais e juntar os quatro dedos, tocando no centro da mão do receptor significa a letra “k”. Pessoalmente, conhecia (embora não saiba utilizá-la) a língua dos sinais dos surdos, mas não está dos cegos (ou talvez sim, apenas não lembrando disso). Outro dado importante revelado pela protagonista é que cegueira não implica escuridão total (na verdade eles “enxergam” muitas cores), bem como a surdez não significa silêncio (ao contrário, significa um zumbido constante, ora tênue, ora intenso). Por volta da metade do filme nos deparamos com a seguinte frase: “quando você solta minha mão é como se estivéssemos a quilômetros de distância”; desse modo, vamos, aos poucos, nos familiarizando com este universo tão diferente.

Há um momento em que um pequeno grupo de cego-surdos vai a um zoológico; numa das cenas, vemo-los com um filhote de chimpanzé nos braços; este é bastante inquieto, puxando o chapéu de uma pessoa e uma parte da câmera que o filma; já com os elefantes, vemos um deles arrancar o saco de comida das mãos de alguém que o alimentava; tais cenas despertaram (em mim e noutros espectadores) uma sensação de leveza que contrasta com o restante do filme. Posteriormente, nos deparamos com outra cena soberba: entre outras coisas, vemos um jovem cego-surdo de nascença (e aparentemente com algum tipo de problema mental) ser guiado por alguém que cuida dele e de outro jovem com a mesma deficiência a entrar numa piscina; seu medo, bem como e relação de confiança com se guia é extremamente expressiva, sem que nenhuma palavra seja dita. Vemos ainda um jovem de 22 anos chamado Vladimir Kokol, igualmente cego-surdo e com síndrome de down que não obtivera nenhum tipo de tratamento especial, sendo cuidado pelo pai; não aprendera a andar, muito menos a língua do escrever na mão, supracitada. Inicialmente vemo-lo sozinho, fazendo sons (irritante para mim) com a boca e batendo com uma bola de borracha na própria cabeça; como afirma um texto sobre o filme que acabei de ler, tal início de cena remete imediatamente ao início do supracitado “O enigma de Kaspar Hauser”, onde Herzog expõe (mas não em documentário) a história real dum jovem criado sem contato com humanos até sua adolescência (portanto ele não sabia andar e nem falar). Como um dos companheiros de sessão frisou no debate pós-exibição, o início desta cena, onde vemos o jovem sozinho acarreta em nós uma dimensão de censura: “isso não deveria estar sendo filmado”, pensamos, pois parece se estar filmando a miséria alheia de forma gratuita; contudo (e é aqui que a figura de Fini Straubinger aparece com toda a sua força), quando a protagonista aparece e tenta dialogar com o jovem, sentimos algo absolutamente indescritível. A única coisa que posso dizer a mais acerca da cena é o seguinte: embora não saibamos o que o jovem quer dizer, sabemos que ele deseja comunicar-se. E ao sentir as mãos de Fini Straubinger nas suas, bem como em sua cabeça, o rapaz é tomado por uma espécie de furor comunicativo que impressiona. Em suma, são três cenas fabulosas que todo cinéfilo deve assistir ao menos uma vez nada vida.

O filme finaliza com a seguinte frase: “se uma guerra mundial começasse agora eu não iria nem notar”. Trata-se duma obra que nos inquieta e provoca de maneira ímpar; sobretudo no caso dos jovens deficientes, lembrei prontamente que a Alemanha (país de Herzog e onde o documentário se passa) exterminava deficientes físicos e mentais durante o regime nazista. Que fazê-lo é uma aberração é algo fora de questão; contudo, como incluir tais pessoas na sociedade (se é que isso realmente é possível) constitui um grande desafio de nossa sociedade. Um dos “personagens” do documentário (um senhor por volta dos 50 anos, creio), ao ser negligenciado pela família optou por dormir com os cavalos. Eis um atestado indiscutível de nossa condição degradada.



Alberto Bezerra de Abreu, 21/07/2013

sábado, 23 de fevereiro de 2013

PostHeaderIcon Sobre a angústia em três filmes famosos dos últimos dois anos


Cisne negro

A separação

Amor


No primeiro semestre de 2011, quando o filme “Cisne negro” (EUA, 2010, dirigido por Darren Aronofsky) ainda estava em cartaz nos cinemas recifenses (não lembro se antes ou depois de seu êxito no abominável Oscar), tive a oportunidade de conversar com um psiquiatra que afirmou ter achado a obra angustiante. Pessoalmente, não compartilho de tal opinião e bem sei o motivo: não consegui estabelecer uma relação de empatia com a protagonista. O primeiro motivo para isso é o caráter específico da personagem: trata-se duma artista de ponta (ou seja, integrante de uma grande companhia de balé); ora, embora uma pessoa comum não esteja livre de profundo stress advindo de sua profissão (por exemplo, depressão e outras mazelas são comuns entre professores que costumam ser desrespeitados ou mesmo ameaçados nas escolas onde trabalham, somando-se a isso a omissão da direção da escola e dos pais dos alunos), o modo como a bailarina vivencia tal stress é diferente, pois a pressão advém, sobretudo, de si mesma, por conta de seu desejo de perfeição (e o fato de a mãe – frustrada em sua carreira de bailarina – projetar na filha seu desejo em nada ajuda). Para deixar a coisa mais clara: não me parece comum ver um professor, um comerciante, um advogado, etc. desejarem ser perfeitos em sua profissão: a competência parece bastar. Essa obsessão pela perfeição (normalmente ligada, em parte, ao desejo de ser melhor que os outros) parece ser mais típica do mundo específico da arte e dos esportes.
O segundo aspecto consiste na dimensão patológica da personalidade da personagem principal: salvo engano, desde o início do filme ela tem alucinações, mas a partir da véspera de sua estréia como protagonista do espetáculo ela surta, tendo alucinações sistemáticas e duradouras. Trata-se, portanto, de alguém com pelo menos um pé fora da realidade, a ponto de não conseguir distinguir entre o que é ou não alucinação. Por fim, o profundo esteticismo da obra (me refiro aqui à beleza da fotografia e da obra em geral, não utilizando, portanto, o termo com sentido pejorativo) acabou por me afastar ainda mais de qualquer tipo de angústia. Gostei do filme e fui por ele envolvido, mas não a ponto de me identificar com a protagonista.
Próximo do fim de 2012, tive a oportunidade de assistir outro filme aclamado (se não me engano, vencedor do Oscar de filme estrangeiro deste mesmo ano): “A separação” (Irã, 2011, dirigido por Asghar Farhadi). Típico filme iraniano (leia-se Drama com “D” maiúsculo), a obra conseguiu me deixar angustiado. Ao contrário do filme acima citado, aqui temos personagens absolutamente comuns (e o fato de serem iranianos é contingente, pois tal história poderia se passar em qualquer lugar). O que se há de salientar aqui é que ambos os personagens (o pai e a mulher que trabalhou como empregada para ele) mentem, mas não o fazem por mal; fazem-no por se verem em situações bastante complicadas nas quais se encontram apenas parcialmente em virtude de seus próprios atos. Não há como explicitar melhor a questão sem fazer uma exposição do enredo do filme e isso não é algo que eu deseje fazer neste momento. Contudo, quem assistir aos três filmes aqui mencionados certamente compreenderá bem o grosso daquilo que eu quero transmitir. A questão básica de “A separação” consiste no seguinte: quando tomamos conhecimentos de ambas as mentiras, bem como de seus respectivos motivos, é-nos impossível condenar qualquer um dos personagens. Ao contrário de “Cisne negro”, tem-se uma forte sensação de destino, de algo que os personagens não poderiam evitar, embora não pareça que eles mereçam isso, pois pelo que vemos do filme, são todas pessoas de bem.
Por fim, assisti semana passada ao filme “Amor” (2012, França/Alemanha/Áustria, dirigido por Michael Haneke). Nele temos novamente personagens absolutamente comuns, cujo infortúnio não advém de suas atitudes. O filme se passa quase inteiramente dentro dum apartamento e mostra o dia-a-dia de um casal de idosos após a mulher ter o lado esquerdo do corpo paralisado e ir, paulatinamente, perdendo os movimentos do restante do corpo, inclusive a fala. O desfecho da trama torna-se mais brutal por ser abrupto, sem algum precedente ou algo que ao menos indicasse uma futura mudança de atitude. No entanto, se o desfecho choca, a angústia vai crescendo durante todo um filme: ver alguém amado ir perdendo toda a autonomia, mas ter consciência disso e sofrer.
O que ambos os filmes (“A separação” e “Amor”) têm em comum é que sobre ambos se pode dizer o seguinte: isso poderia acontecer com qualquer um. E é isso que causa empatia, esta trazendo consigo, inevitavelmente, a angústia. Durante o processo de escrita deste texto me ocorreu a seguinte idéia: o caráter de relativa inevitabilidade dos acontecimentos nos dois últimos filmes os fariam mais angustiantes que o primeiro; contudo, pensando numa experiência pessoal minha, vivenciada por esses dias (e ainda em curso), parece-me claro que saber que poderíamos ter evitado que algo ruim acontecesse constitui uma grande tortura (embora não necessariamente maior que a sensação de que evitar o mal era impossível, pois nesse caso sentimo-nos impotentes, e no caso anterior, fracassados, ambas as sensações sendo péssimas). Volto então ao meu argumento inicial: o que torna os dois últimos filmes angustiantes é que, por terem personagens comuns e circunstâncias cotidianas, eles provocam uma inevitável empatia, de modo que não conseguimos nos furtar a nos colocarmos no lugar deles (o mesmo não ocorrendo com “Cisne negro”), e como o sofrimento é grande, a angústia é inevitável.
Por fim, cabe um desabafo: como é bom assistir a filmes que não se reduzem à adrenalina e hormônios sexuais...

Alberto Bezerra de Abreu, 20-23/02/2013     (redigido ao som de Frank Zappa)







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Alguém que escreve para viver, mas não vive para escrever; apaixonado pelas artes; misantropo humanista; intenso, efêmero e inconstante; sou aquele que pensa e que sente, que questiona e duvida, que escapa a si mesmo e aos outros. Sou o devir =)
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