terça-feira, 4 de maio de 2010
Cine PE 2010 - terça-feira: animações e engajamento periférico
23:38 |
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Miradouro Cinematográfico |
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Eu queria ser um monstro
O homem mau dorme bem
O primeiro dia de exibição da mostra competitiva na edição de 2010 do Cine PE já trazia dois filmes bastante aguardados: o curta pernambucano “Recife frio” de Kleber Mendonça Filho (ex-colaborador do Jornal do Commercio – que me interessava justamente por ser a oportunidade de ver um teórico colocar seus conhecimentos em prática) e o longa “O bem amado” de Guel Arraes (fora de competição). Infelizmente não pude comparecer neste dia e fiz minha estréia no evento na noite de terça feira. Aparentemente o público não seria muito grande, mas a medida que a hora passava (e o evento, previsto para iniciar às 18:30 começou após as 19h) chegavam mais e mais pessoas, de modo que durante a exibição dos curtas o Teatro Guararapes encheu (mas não lotou, havendo ainda lugares vazios nas primeiras filas).
A noite começou com o curta “Corpo Urb” (Mariane Bigio, PE); achei deveras interessante a forma como se trabalhou com o som, alternando sons do ambiente (passos dos transeuntes e barulho emitido pelo semáforo diante duma faixa de pedestre, já na abertura do filme), música (belíssimo improviso em violoncelo) e o silêncio (que não poderia faltar num filme que se pretende sofisticado). No entanto não consegui captar a idéia da obra, mesmo ele se baseando num poema que é recitado no decorrer da exibição. Demasiada abstrata, mostrava uma garota deitada numa cama (no início) e numa banheira (no final) e no meio, digitando num computador velho e desligado na calçada de uma das pontes do centro do Recife (que acredito ser a Duarte Coelho). No final da exibição, alguém da platéia disse de maneira irônica (porém sem agressividade ou desdém): “dá pra passar de novo?”. Há filmes que não entendo e gosto, mas confesso que este não foi um deles e o público o aplaudiu burocraticamente. A crítica também deu de ombros, pois li uma cobertura que dizia que o filme “não disse a que veio”.
O segundo filme da noite foi “Eu queria ser um monstro” (Marão, RJ), animação singela, mas deveras expressiva que mostra a convivência familiar de um garoto com bronquite e seus pais; destaque para as cenas que mostram como o garoto tentava enganar a mãe, fingindo tomar banho. O filme teve problemas com o som e o público começou a assoviar e constatando o não surtir efeito de tal atitude, começou a bater palmas, até que a exibição foi interrompida, sob aplausos. Após alguns minutos recomeçou (do começo) a exibição, dessa vez sem maiores problemas. O final e a dedicatória arrancaram um “ôôô” meigo da platéia e deixaram marejados os olhos deste que vos escreve. Se minha percepção não falhou, foi o mais aplaudido da noite.
O terceiro curta foi “O divino, de repente” (Fábio Yamagi, SP), o qual mostrava um repentista (se não me engano um goiano, residente em São Paulo) que canta repentes cômicos (não raro numa velocidade que prejudica e muito sua inteligibilidade), mas que não são de sua autoria (são cantorias consagradas do senso comum, diz-se nos créditos finais). No entanto, o personagem é uma verdadeira figura que cativou o público (tendo recebido também muitos aplausos). O filme mistura a filmagem comum do personagem com momentos em que ele aparece em animação, tornando a obra mais dinâmica. O trocadilho do título é muito legal, mas apesar de divertida, a obra para mim foi apenas mediana.
O último curta da noite foi “Senhoras” (Adriana Vasconcelos, DF), inspirado num poema de Fernando Pessoa, mostra duas senhoras (mãe e filha), vivendo num pequeno apartamento, até que um estúpido acidente doméstico sela o destino de ambas. Nesta história bastante singela o destaque vai para a belíssima atuação da mãe (já bastante idosa), deitada na cama, sofrendo por não ter mais quem cuide dela.
O primeiro longa da noite foi “Cinema de guerrilha” (Evaldo Mocarzel, SP), documentário que mostra o surgimento de cineastas na periferia de São Paulo. O início foi um tanto maçante: entrevistas com os realizadores cinematográficos da periferia de SP dentro de uma Kombi/ Van. Falas interessantes, mas em alguns momentos ingênuas (por exemplo, sobre a legitimidade de alguém da classe média filmar a periferia; seria necessário não se fazer passar por um deles, mas deixar claro ser uma vista de fora, ao passo que quando são eles mesmos, os moradores da comunidade quem produzem filmes, a legitimidade seria maior). O filme melhora quando mostra a oficina (os realizadores mais experientes ensinando outros jovens a como manejar a câmera, elaborar roteiros, etc.); volta então as entrevistas, agora mais interessantes, num ritmo mais palatável, merecendo destaque as referências a “O cão andaluz” (de Bunuel), Platão (o mito da caverna) em “O mundo de Sofia” e Tarkovski. Há pelo menos dois momentos em que a arte é apresentada como forma de salvação (da igreja e da depressão). Numa cena externa ocorre o roubo da câmera, o que levanta a seguinte questão: tal atitude teve caráter financeiro ou ideológico? (seria necessário pedir autorização aos traficantes, que teriam roubado a câmera por receio em relação ao que estava sendo mostrado? Seria correto negociar com eles?). O roteiro para este filme a ser desenvolvido na oficina trazia a idéia (ingênua, porém interessante) de jovens quebrando vidraças com pedras embrulhadas em papeis com poemas neles escritos para sensibilizar a classe média. Há ainda a recitação de alguns poemas (os quais achei realmente interessantes) de um dos integrantes do grupo, entre os quais este: “Se o que nos resta é o resto só nos resta rejeitar”. Em suma, um filme irregular, por vezes ingênuo, que não cativou o público, mas do qual gostei. Faz pensar, levanta questões pertinentes (a inicial sendo justamente a da democratização da possibilidade de realização de filmes, mediante o uso de equipamento digital; produzir cinema deixa se der exclusividade da classe média) e incomoda, acredito eu.
Para fechar a noite, o longa “O homem mau dorme bem” (Geraldo Moraes, DF), que me deixou bastante intrigado por conta de seu título, o qual me remeteu diretamente a obra homônima (sem o artigo "o" no início) realizada por Kurosawa em 1960. No entanto, não percebi nenhuma referência – seja direta, seja indireta – a tal obra. Apesar de não ser complexo, o filme de Moraes é difícil de ser sintetizado; o aspecto central é o reencontro de um casal após um mal entendido que os separou: se conheceram num circo e sendo ele palhaço e ela lavadeira, não lhes foi permitido o casório por parte do avô desta, que deu 2 anos ao pretendente para lhe arrumar um dote. O final não me pareceu óbvio nem piegas, mas demasiado convencional. Destaco a variedade de cenários (centro comercial de uma cidade grande, posto de gasolina numa estrada rumo ao interior, cidade do interior e circo nela instalado – com direito a algumas cenas de acrobacias e palhaçadas –, rio onde trabalhadores procuram pedras preciosas, fazenda na qual foi achado ouro), a coesão do roteiro e fluidez do filme (que não se perde ou se torna maçante) e, no entanto afirmo que a obra para mim não se destacou, sendo apenas uma entre muitas.
Em suma, numa noite de altos e baixos meus destaques vão para o longa crítico “Cinema de guerrilha” e para o belo, singelo e tocante (no final) curta “Eu queria ser um monstro”. E o festival estava apenas começando para mim...
Alberto Bezerra de Abreu, 30/04/2010
A noite começou com o curta “Corpo Urb” (Mariane Bigio, PE); achei deveras interessante a forma como se trabalhou com o som, alternando sons do ambiente (passos dos transeuntes e barulho emitido pelo semáforo diante duma faixa de pedestre, já na abertura do filme), música (belíssimo improviso em violoncelo) e o silêncio (que não poderia faltar num filme que se pretende sofisticado). No entanto não consegui captar a idéia da obra, mesmo ele se baseando num poema que é recitado no decorrer da exibição. Demasiada abstrata, mostrava uma garota deitada numa cama (no início) e numa banheira (no final) e no meio, digitando num computador velho e desligado na calçada de uma das pontes do centro do Recife (que acredito ser a Duarte Coelho). No final da exibição, alguém da platéia disse de maneira irônica (porém sem agressividade ou desdém): “dá pra passar de novo?”. Há filmes que não entendo e gosto, mas confesso que este não foi um deles e o público o aplaudiu burocraticamente. A crítica também deu de ombros, pois li uma cobertura que dizia que o filme “não disse a que veio”.
O segundo filme da noite foi “Eu queria ser um monstro” (Marão, RJ), animação singela, mas deveras expressiva que mostra a convivência familiar de um garoto com bronquite e seus pais; destaque para as cenas que mostram como o garoto tentava enganar a mãe, fingindo tomar banho. O filme teve problemas com o som e o público começou a assoviar e constatando o não surtir efeito de tal atitude, começou a bater palmas, até que a exibição foi interrompida, sob aplausos. Após alguns minutos recomeçou (do começo) a exibição, dessa vez sem maiores problemas. O final e a dedicatória arrancaram um “ôôô” meigo da platéia e deixaram marejados os olhos deste que vos escreve. Se minha percepção não falhou, foi o mais aplaudido da noite.
O terceiro curta foi “O divino, de repente” (Fábio Yamagi, SP), o qual mostrava um repentista (se não me engano um goiano, residente em São Paulo) que canta repentes cômicos (não raro numa velocidade que prejudica e muito sua inteligibilidade), mas que não são de sua autoria (são cantorias consagradas do senso comum, diz-se nos créditos finais). No entanto, o personagem é uma verdadeira figura que cativou o público (tendo recebido também muitos aplausos). O filme mistura a filmagem comum do personagem com momentos em que ele aparece em animação, tornando a obra mais dinâmica. O trocadilho do título é muito legal, mas apesar de divertida, a obra para mim foi apenas mediana.
O último curta da noite foi “Senhoras” (Adriana Vasconcelos, DF), inspirado num poema de Fernando Pessoa, mostra duas senhoras (mãe e filha), vivendo num pequeno apartamento, até que um estúpido acidente doméstico sela o destino de ambas. Nesta história bastante singela o destaque vai para a belíssima atuação da mãe (já bastante idosa), deitada na cama, sofrendo por não ter mais quem cuide dela.
O primeiro longa da noite foi “Cinema de guerrilha” (Evaldo Mocarzel, SP), documentário que mostra o surgimento de cineastas na periferia de São Paulo. O início foi um tanto maçante: entrevistas com os realizadores cinematográficos da periferia de SP dentro de uma Kombi/ Van. Falas interessantes, mas em alguns momentos ingênuas (por exemplo, sobre a legitimidade de alguém da classe média filmar a periferia; seria necessário não se fazer passar por um deles, mas deixar claro ser uma vista de fora, ao passo que quando são eles mesmos, os moradores da comunidade quem produzem filmes, a legitimidade seria maior). O filme melhora quando mostra a oficina (os realizadores mais experientes ensinando outros jovens a como manejar a câmera, elaborar roteiros, etc.); volta então as entrevistas, agora mais interessantes, num ritmo mais palatável, merecendo destaque as referências a “O cão andaluz” (de Bunuel), Platão (o mito da caverna) em “O mundo de Sofia” e Tarkovski. Há pelo menos dois momentos em que a arte é apresentada como forma de salvação (da igreja e da depressão). Numa cena externa ocorre o roubo da câmera, o que levanta a seguinte questão: tal atitude teve caráter financeiro ou ideológico? (seria necessário pedir autorização aos traficantes, que teriam roubado a câmera por receio em relação ao que estava sendo mostrado? Seria correto negociar com eles?). O roteiro para este filme a ser desenvolvido na oficina trazia a idéia (ingênua, porém interessante) de jovens quebrando vidraças com pedras embrulhadas em papeis com poemas neles escritos para sensibilizar a classe média. Há ainda a recitação de alguns poemas (os quais achei realmente interessantes) de um dos integrantes do grupo, entre os quais este: “Se o que nos resta é o resto só nos resta rejeitar”. Em suma, um filme irregular, por vezes ingênuo, que não cativou o público, mas do qual gostei. Faz pensar, levanta questões pertinentes (a inicial sendo justamente a da democratização da possibilidade de realização de filmes, mediante o uso de equipamento digital; produzir cinema deixa se der exclusividade da classe média) e incomoda, acredito eu.
Para fechar a noite, o longa “O homem mau dorme bem” (Geraldo Moraes, DF), que me deixou bastante intrigado por conta de seu título, o qual me remeteu diretamente a obra homônima (sem o artigo "o" no início) realizada por Kurosawa em 1960. No entanto, não percebi nenhuma referência – seja direta, seja indireta – a tal obra. Apesar de não ser complexo, o filme de Moraes é difícil de ser sintetizado; o aspecto central é o reencontro de um casal após um mal entendido que os separou: se conheceram num circo e sendo ele palhaço e ela lavadeira, não lhes foi permitido o casório por parte do avô desta, que deu 2 anos ao pretendente para lhe arrumar um dote. O final não me pareceu óbvio nem piegas, mas demasiado convencional. Destaco a variedade de cenários (centro comercial de uma cidade grande, posto de gasolina numa estrada rumo ao interior, cidade do interior e circo nela instalado – com direito a algumas cenas de acrobacias e palhaçadas –, rio onde trabalhadores procuram pedras preciosas, fazenda na qual foi achado ouro), a coesão do roteiro e fluidez do filme (que não se perde ou se torna maçante) e, no entanto afirmo que a obra para mim não se destacou, sendo apenas uma entre muitas.
Em suma, numa noite de altos e baixos meus destaques vão para o longa crítico “Cinema de guerrilha” e para o belo, singelo e tocante (no final) curta “Eu queria ser um monstro”. E o festival estava apenas começando para mim...
Alberto Bezerra de Abreu, 30/04/2010
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- Miradouro Cinematográfico
- Alguém que escreve para viver, mas não vive para escrever; apaixonado pelas artes; misantropo humanista; intenso, efêmero e inconstante; sou aquele que pensa e que sente, que questiona e duvida, que escapa a si mesmo e aos outros. Sou o devir =)
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