segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

PostHeaderIcon Um convidado bem trapalhão: etiqueta reduzida a espuma (homenagem a Blake Edwards, recentemente falecido)








Por acaso o nome Blake Edwards vos diz alguma coisa? Remete-lhes a algo? Confesso que a mim não, porém, como as vezes a imprensa serve para algo que não seja espalhar a demagogia, com o recente falecimento do dito cujo (em 15/12/2010), fui informado de quem ele foi. Entre os filmes por ele dirigidos, o único que me disse algo fora justamente aquele(s) no qual um mal-entendido fez-me perder a paciência quando guri: “A pantera cor-de-rosa”. Explico: trata-se duma série de filmes nos quais o famoso felino expresso em desenho animado aparece tão somente na abertura; eu, em minha ignorância infantil (estimulada pelo fato de que talvez o desenho meramente ilustrativo, ao ganhar vida própria – um desenho animado na TV - tenha-se tornando mais popular que os filmes que lhe deram origem), assisti a um dos filmes da série (não sei qual, talvez o primeiro), esperando ver o célebre felino animado; ao constatar, logo de início, não tratar-se duma animação, mas de filmes com atores reais, imaginei tratar-se de um híbrido entre cinema real, convencional, ou seja lá como queiram chamar, e animação, tal qual o longa “Uma cilada para Roger Rabbit” (1988). Porém, minha espera pelo aparecimento do felino rosado se mostrou vã, e, certa feita, desliguei o televisor, derrotado pelo enfado. Acontece que a pantera cor-de-rosa do título não era o felino rosado, mas um diamante roubado, de modo que o enredo da série nada tem a ver com o personagem do desenho animado, exceto o fato de sua “ponta” na abertura do longa ter-lhe aberto o caminho para o estrelato na televisão.

Voltando a Blake Edwards, embora tenha se celebrizado nas comedias, o cineasta foi versátil, tendo dirigido também dramas, musicais, faroestes e suspense. Entre seus filmes mais celebrados estão “Bonequinha de luxo” (1961), adaptação “suavizada” do romance de Truman Capote, que tornou Audrey Heppburn em estrela, tendo celebrizado ainda a canção “Moon River” (de Henry Mancini). Embora não só Edwards como também Jack Lemmon (seu ator favorito) tenham feito fama na comedia, a parceria dos dois no drama sobre alcoolismo “Vício maldito” (1962) também merece destaque, demonstrando a versatilidade de ambos. Em 1968, Edwards, retomou a parceria com o ator Peter Sellers (realizada em “A pantera cor-de-rosa” de 1963, e que seria retomada em filmes posteriores da série) na comédia “ Um convidado bem trapalhão”. Este será o filme resenhado no presente texto, mas antes, finalizarei o brevíssimo relato sobre o cineasta citando outras de suas obras que mereceram destaque nas fontes que consultei: “Mulher nota 10” (1979) “S.O.B.” (1981), iniciais de “Son of a bitch”, nosso famoso palavrão “filho da puta”, expresso em português pela sigla FDP, “Victor ou Victoria?” (1995), sua única indicação ao Oscar. Apesar de não tê-la vencido, foi agraciado com o prêmio em 2004, pelo conjunto da obra.

Passemos agora as considerações acerca do filme “Um convidado bem trapalhão”; porém, cabe antes disso, prestar alguns esclarecimentos: decidi redigir esta resenha como homenagem a Blake Edwards, recém falecido (também como forma de me informar mais sobre ele) e escolhi justamente este filme por já tê-lo em casa, ao contrário de “Bonequinha de luxo” e, sobretudo, “Vício maldito”, que me interessaram mais. De qualquer forma, a escolha do presente filme me propiciou duas coisas: resenhar, neste blog, uma das obras presentes na cinemateca Veja (pretendo resenhar todas – vide objetivos do blog – e este é o primeiro texto de um dos filmes da coleção que publico aqui); tecer comparações entre “Um convidado bem trapalhão” e um filme no qual ele se baseia nitidamente: “Meu tio” (por mim resenhado meses atrás

http://miradourocinematografico.blogspot.com/2010/06/meu-tio-satira-obsessao-tecnologica.html).

O título original da obra é “The party” (A festa), pois a maior parte de seu enredo (cerca de 90% ou mais) se passam numa festa chique, tendo como convidados personalidades ligadas ao cinema (atores consagrados, como o brutamontes bobo que faz papel de cowboy, aspirantes a esse posto, como a jovem por quem o protagonista se encanta, diretores, produtores, etc.); já em “Bonequinha de luxo” houvera uma cena em que uma festa se transformava num caos; em “Um convidado bem trapalhão” tal acontecimento se converte em mote, em aspecto central da trama, a qual se inicia com o protagonista (um ator indiano, interpretado por Peter Sellers) arruinando as filmagens de um filme, ao pôr seu pé sobre um detonador e mandar pelos ares um forte de verdade, que estava abandonado e seria explodido como parte da trama. Furioso, o diretor se encarrega não apenas de demitir o ator trapalhão, mas de cuidar para que este nunca mais consiga emprego na área. Ao ligar para um homem influente em Hollywood e lhe passar o nome deste ator a ser absolutamente vetado do meio artístico em questão, tal “chefão” comete o descuido de anotar o nome abaixo duma lista de convidados para uma festa em sua casa.

Assim, por negligência, o castigo se converte em recompensa e o protagonista chega na festa dirigindo seu peculiar carro de três rodas. Já na entrada, perde seu sapato numa espécie de fonte e passa poucas e boas até recupera-lo. O filme é repleto de gags (piadas visuais, como nas comedias pastelão – ou próximas disso – do cinema mudo), as mais engraçadas sendo aquelas relacionadas a um painel em que cada botão acionado causa algum transtorno (referência direta ao já mencionado filme “Meu tio”). Porém, na minha opinião pessoal, o grande momento do filme (e que justifica assisti-lo para além de uma simples curiosidade histórica) é o ápice do caos, da anarquia, da balburdia, ou da diversão levemente (ou nem tanto) fora de controle em que se converte uma festa programada para transcorrer dentro dos padrões de etiqueta das classes abastadas dos EUA. É particularmente interessante como de pequeno incidente em pequeno (ou nem tanto) incidente, chega-se a uma situação quase (ou de fato?) fora de controle. Porém, é necessário salientar que a chegada a tal estado não é obra exclusiva de nosso convidado trapalhão, mas conta com a colaboração decisiva da filha do anfitrião, que chega com uma gangue, digo, grupo de jovens amigos, trazendo um filhote de elefante pintado com diversos slogans (eles são hippies ou algo semelhante). Ao criticar tal postura, por ser o elefante um animal sagrado em seu país, o protagonista sugere que lavem o filhote e para isso pegam alguma espécie de sabão que, despejado na fonte/ piscina, espalha a espuma pela casa inteira (uma cena particularmente cômica é aquela em que a banda de jazz – muito da trilha do longa é deste gênero musical e cabe aqui enfatizar a célebre trilha de “A pantera cor-de-rosa” do mesmo diretor – tocando de maneira impassível, enquanto a espuma cobre seus respectivos instrumentos e a eles mesmos). Outro destaque cômico é o garçom que, a cada recusa do protagonista em relação as bebidas que aquele lhe oferece, escolhe uma delas e a bebe, ficando assim embriagado e competindo com o ator indiano em termos de protagonismo de confusões.

Em que pese as risadas que este filme arranca, penso que “Meu tio” é uma comedia superior, além de flertar com o neo-realismo italiano, ao mostrar cenas de localidades mais humildes, tendo assim um (leve) apelo social; além disso, esteticamente (vide, por exemplo, a bela cena inicial dos cachorros vira-latas numa rua de paralelepípedos) o filme possui alguma sofisticação, aproximando-se assim da arte, ao contrário de “Um convidado bem trapalhão”, que constitui uma comedia em sentido estrito, uma obra escapista com intenções puramente de entretenimento. Dessa forma, considero o filme franco-italiano, superior não só como obra em geral, mas também no âmbito específico da comedia. E para aqueles que quiserem ver um desempenho marcante do protagonista Peter Sellers, aconselho a obra-prima (uma comedia de humor negro de Stanley Kubrick) “Dr. Fantástico”, na qual Sellers interpreta nada menos que três personagens.

Em suma, nem a comedia nem Sellers justificam, para os cinéfilos exigentes, a necessidade de se assistir “Um convidado bem trapalhão”; os aspectos que fundamentam esta necessidade são 1) o conhecimento histórico (quem é cinéfilo acaba se interessando por assistir alguns filmes que não lhe despertaram interesse apenas para poder dizer “assisti àquele filme famoso e não gostei por isso, isso e isso” ao invés de dizer o famoso “não vi e não gostei”, sem contar que todo filme célebre, por mais injusta que seja tal celebridade, deve ter algo que se aproveite); 2) a deliciosa confusão na qual a festa se transforma, algo sem precedentes na história das comedias, até onde sei (pois quando chega-se neste estágio, não só o protagonista, mas a maior parte dos personagens adere à bagunça =).

Na primeira foto de baixo para cima temos o diretor Blake Edwards, o homenageado desta postagem.



Alberto Bezerra de Abreu, dezembro de 2010


segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

PostHeaderIcon Deixa ela entrar: revitalização do gênero filme de vampiros numa história em que a poesia transcende o horror










Contrariando o critério norteador das resenhas de filmes até então por mim redigidas para este blog (o de tê-los assistido pelo menos duas vezes), empreendo alguns comentários sobre “Deixa ela entrar” (Let the right one in, Suécia, 2008, dirigido por Tomas Alfredson), ao qual assisti em janeiro de 2010 no cinema da Fundação Joaquim Nabuco (Recife). Meu primeiro contato com a obra se deu através de uma resenha no jornal Diário de Pernambuco (eis o link

http://www.diariodepernambuco.com.br/2010/01/02/viver7_0.asp), mas apesar desta ter me despertado algum interesse, não foi o suficiente para que eu tivesse realmente vontade de assisti-lo (no entanto, acabei indo por outros motivos somados a este...). Apesar de ter lido sobre o filme, não criei grandes expectativas (nem positivas nem negativas) acerca dele e isso parece ter sido fundamental para a grata surpresa que tive.

A primeira questão a se colocar é a seguinte: o que mais um filme sobre vampiros pode acrescentar de relevante? Bem, este e “Entrevista com o vampiro” são os únicos filmes sobre vampiro que assisti que não se baseiam diretamente na obra de Bram Stoker (parece-me haver a seguinte regra: filmes intitulados “Drácula”, como o de Coppola se inspiram fielmente na obra de Stoker, enquanto filmes intitulados “Nosferatu”, como os de Murnau e Herzog constituem livres adaptações, ainda que fiéis ao original, mas sem buscar reproduzi-lo em seus mínimos detalhes). Os dois filmes primeiramente citados não se baseiam em Stoker e, em minha opinião, são superiores aos filmes que o fazem, em se tratando de caracterização vampiresca. Exploram, a meu ver, com maestria a fragilidade como contraponto das habilidades sobre-humanas de tais criaturas. Em ambos há a questão de alguém tornado vampiro ainda na infância, temática deveras interessante (a qual põe a seguinte questão: até que ponto tais indivíduos conseguiriam ingressar na idade adulta?).

Eis o enredo: Eli e Oskar são dois pré-adolescentes que iniciam uma amizade peculiar; ambos – cada um a seu modo – são solitários. Ele é alvo constante de agressões de valentões da escola, ela é uma vampira! (mas de início ele não sabe disso). Assim, cada um em seu respectivo exílio encontra no outro um bálsamo. Ela (por motivos óbvios) põe-se na defensiva, mas acaba se rendendo à delicadeza do garoto. A terna relação entre eles, tendo como pano de fundo uma cidade coberta de neve, retratada através duma belíssima fotografia adquire contornos poéticos tocantes. O filme cresce, aos poucos, vai-nos envolvendo paulatinamente, a relação entre os dois jovens constituindo o tema central da obra. Evidentemente, tal relação remete necessariamente à natureza vampiresca de Eli, que vai se revelando aos poucos a Oskar. Um dos destaques da obra é a renúncia: no final do filme descobrimos (ou ao menos temos a certeza) de que Oskar irá substituir o senhor que “cuidava” de Eli, e com isso percebemos que este outrora desempenhava o papel que Oskar então desempenha. Eis um amor que se contenta tão somente com a companhia do outro. Pelo menos para mim, o verdadeiro significado da devoção daquele senhor pela garota só fica claro a medida em que a relação entre ela e Oskar se intensifica.

No entanto, se parece evidente que o diretor não evidencia apenas Eli (Oskar não é de forma alguma um mero coadjuvante), não posso negar que o que mais me interessou no filme em termos de discussão (travadas como uma espécie da rascunho para uma posterior resenha com a pessoa que me acompanhou na exibição de tal filme) trata essencialmente da condição vampiresca e será este o prisma privilegiado no restante do presente texto. Eis então algumas questões que coloquei a respeito desta temática numa discussão via e-mail:

1) a questão do viver ou morrer; Eli diz a Oskar, quando este a censura por matar, que precisa fazer isso. De fato, para viver ela precisa fazê-lo, mas o suicídio é sempre opção para um ser racional. Não sei se a opção do Louis (“Entrevista com o vampiro”), de se alimentar de ratos é verossímil em outras “interpretações” acerca da natureza vampiresca (se poderiam se alimentar do sangue de qualquer ser vivo, ou mais especificamente, de qualquer mamífero). Neste caso poder-se-ia criar animais, não ratos, mas porcos, cavalos, cães, enfim. Seria simples. Mas tendo de ser humanos, poder-se-ia selecionar as vítimas (me peguei pensando nisso: eu, me tornando vampiro, quereria a imortalidade? Não seria demasiado chato não morrer nunca, e pior, ver todas as pessoas que amo falecerem e eu permanecer infinitamente? Acredito que sim, mas certamente eu passaria ao menos algum tempo utilizando meus “super-poderes” para me divertir e quiçá fazer justiça; adoraria chupar todo o sangue de um parasita como Sarney, por exemplo; por outro lado, ao pensar que teria toda a eternidade para ler os clássicos da literatura, da filosofia, assistir centenas ou mesmo milhares de ótimos filmes, ficaria tentado a ir prorrogando a imortalidade...). Voltando, ainda que ela precise matar, há uma escolha: ela pode matar-se e não matar outrem. É fácil? Não creio, no entanto, é possível. Outra coisa, no caso da mulher mordida por Eli, seu suicídio seria opção ou efeito colateral? Numa cena ela afirma que foi contaminada pela garota. Meus parcos conhecimentos vampirescos são de que se o vampiro não suga o sangue da vítima até seu falecimento, esta se torna vampiro; no entanto, haverá diferença em faze-lo propositalmente ou sem-querer ? (Eli o fez sem querer – foi impedida de continuar – e talvez por isso a mulher não conseguisse aceitar sua “nova natureza”). Vale salientar que o repúdio à luz do sol e o inconveniente de entrar num recinto sem ser convidado são apreendidos instintivamente pelo vampiro, isso fica claro no comportamento da mulher.

2) a questão do instinto; é célebre em filmes de vampiro a cena em que um humano se corta (normalmente sem querer) e o dentuço perde a compostura; no “Nosferatu” de Herzog, o vampiro chupa o dedo do convidado, e diz ser para o bem dele, mas a maneira afoita, esfomeada mesmo que ele o faz desmente esta sua intenção. Isso me suscitou algumas questões: a atração pelo sangue é incontrolável? (normalmente, um humano não avança daquele jeito na comida, por mais apetitosa, a não ser se estiver a dias sem comer); tal ímpeto alimentar se dá mesmo que o vampiro esteja bem alimentado (tenha se alimentado há pouco?); até onde é possível se controlar? Achei a cena do “Deixa ela entrar” duplamente inverossímil; primeiro, porque se ela sabia de sua fraqueza, devia ter fugido logo que viu o sangue escorrer (ela poderia faze-lo, já que o fez depois); além disso, não faz sentido p/ mim ela ter dito para ele correr/fugir, quando ela que o devia ter feito (pois era ela quem sabia do perigo, não ele); tanto é assim que ele não correu e ela teve de fazer o que eu sugeri desde o início.

3) A dúvida do motivo dos gatos terem não apenas “se armado” para a mulher tornada vampira por Eli (o que me pareceria normal, já que animais parecem ter uma maior sensibilidade que os humanos para captarem coisas do “além”), mas a atacado (e em bando!). A questão do ataque me parece deveras estranha (de novamente, inverossímil), pois em geral, quando um gato ameaça atacar se arrepiando, ele está na realidade se sentindo ameaçado (o fato de arrepiar-se serve justamente para que ele pareça maior, o que aconteça quando um gato encontra um cachorro ou um gato hostil – já presenciei ambas as situações), diferentemente de quando ele “ameaça” um dono chato que lhe está importunando (neste caso ele não se arrepia – e também já vivenciei tal situação=). De modo que o comportamento esperado seria a hostilidade dos animais, mas não o seu ataque (a não ser que a insegurança da mulher em relação a sua nova condição tenha-lhe tornado particularmente frágil – não imagino os gatos saltando em Eli, e se por acaso o fizessem, ela, no mínimo os jogaria longe).

Para finalizar, destacado dois dos momentos mais marcantes da película: a cena da piscina, na qual Eli literalmente despedaça os algozes de Oskar é belíssima, mas aquela que dá nome ao filme é realmente incomparável em termos de beleza. Aliás, cabe aqui uma breve reflexão sobre o sentido do título: remetendo a “Cinema, aspirinas e urubus”, cabe salientar que há filmes que vão além do puro entretenimento sendo cheios de significados profundos, expressos inclusive em seus respectivos nomes. No caso de “Deixa ela entrar”, sem dúvida não se trata apenas da maldição vampírica, podendo ser interpretado também no sentido metafórico de, ele – o humano – deixar que ela – a vampira – entre em sua vida, ainda que na verdade seja ela quem possui ressalvas quanto a relação, visto que ele terá muito a dar e pouco a receber. De qualquer forma, me recuso a enxergar no título uma menção exclusiva a tal maldição, ainda que a cena em questão seja de um primor irretocável. E cabe salientar ainda que, até onde lembro, não sabia o que aconteceria se um vampiro entrasse numa residência sem ser convidado; imaginava que eles não conseguissem, como se houvesse uma barreira invisível. Até onde sei, nenhum outro filme mostra este tipo de resultado, o qual, por si só, já vale o filme. Além da beleza estética, há a beleza poética, estando ambas imbricadas durante todo o filme. Belíssimo; surpreendente, quiçá tocante.

Em tempo: “A hora do espanto” é outro filme sobre vampiros não inspirado em Stoker o qual assisti, mas faz tanto tempo que até me esqueci de sua existência.

Dedico esta resenha a Isabele “Tinúviel”, minha companheira de sessão e interlocutora virtual das questões acima enumeradas.


Alberto Bezerra de Abreu (janeiro/abril de 2010)



segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

PostHeaderIcon Expectativa 2011/ Retrospectiva 2010 na Fundaj: prato cheio de ótimos filmes recentes


A vida cinematografica recifence anda movimentada nas ultima semanas; apos a III Janela Internacional de cinema do Recife, em meados de novembro, e da edição 2010 do Festival de Vídeo de Pernambuco (ambos aqui divulgados e a serem por mim resenhados em breve), realiza-se, desde a semana passada, a Expectativa 2011/ Retrospectiva 2010 no cinema da Fundação Joaquim Nabuco. O evento, que começou no dia 3 de dezembro e irá até o dia 16 deste mesmo mês (próxima quinta-feira) não me atraiu muito em sua primeira semana ("Mary & Max" eu já havia assistido; "Toy Story 3" não, e apesar de meu desejo, não pude vê-lo nesta exibição para os retardatários, de modo que limitei-me, nesta primeira semana, a assistir "Filme Socialismo", do sempre desafiador Godard).

Porém, ao abrir o jornal no sábado a tarde, pouco tempo após acordar (o enfado de fim de ano me fez dormir das 2h da madrugada de sexta para sábado até as 14:20 deste último), meu olhos brilharam ao ver que seria exibido "Vício frenético", filme estrelado por Nicolas Cage e dirigido pelo talentosissimo cineasta alemão Werner Herzog. Duplamente imperdível, não só pela qualidade do "homi", mas por eu haver perdido quando passou ano passado (saiu de cartaz muito rápido). Como soube já em cima da hora, não deu tempo de postar nem avisar a ninguém.

Ainda no sábado, uma amiga me disse ter ouvido coisas boas do filme "Hanami: cerejeiras em flor" e após assisti-lo, justamente no festival em questão, endossou o elogio; após afirmar que o filme seria re-exibido, fui a site da Fundaj e tive a grata surpresa de ver que outros filmes interessantes também serão exibidos no festival; entre eles o faladíssimo "Tropa de elite 2" (que estou tentando assistir a algum tempo, mas sempre ocorre algum emprevisto ¬¬), bem como o clássico "Dona flor e seus dois maridos" (para quem não sabe, este filme foi por mais de 20 anos o filme brasileiro recordista de bilheteria, sendo tal recorde quebrado justamente por "Tropa de elite 2"). E mais: esses dois serão exibidos no mesmo dia. Empolgado com a notícia, resolvi divulgar aqui a programação completa da segunda semana do evento. Ei-la abaixo. Para maiores detalhes,

http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=16&pageCode=455&date=currentDate
Além dos filmes citados, destaco o excelente "
Deixa ela entrar" (fiz uma resenha dele e com esta nova exibição, é possível que a poste nos próximos dias) e, para quem perdeu o Festival e Vídeo de Pernambuco deste ano, aconselho a sessão Curta PE (dois destes foram exibidos no festival).


Boas sessões.


Alberto Bezerra de Abreu.


Segue a programação:



Segunda, 13 dezembro

16h30 – Homens em Fúria

(Stone, EUA, 2010) De John Curran. Com Robert De Niro, Edward Norton, Milla Jovovich.

18h30 – Minhas Mães e Meu Pai

(The Kids Are Alright, EUA, 2010), de Lisa Cholodenko. Com Julianne Moore, Annette Benning, Mark Ruffalo.


20h30 – Morte e Vida Severina

(Brasil, PE, 2010) Animação de Afonso Serpa. Com vozes de Gero Camilo, André Ríccari, Vanda Phaelante, Lívia Falcão, Eduardo Japiassu, João Augusto Lira, Jones Melo, Fábio Caio, Vavá Schön.

Terça, 14 de Dezembro

17h50 – Tropa de Elite 2: O Inimigo agora É Outro

(Brasil, 2010) De José Padilha. Com Wagner Moura, Irandhir Santos, André Ramiro, Maria Ribeiro, Milhem Cortaz, Tainá Müller.


20h10 – Dona Flor e Seus Dois Maridos

(Brasil, 1976), de Bruno Barreto. Com Sônia Braga, José Wilker, Mauro Mendonça.

Quarta, 15 dezembro

16h10 – Deixa Ela Entrar

(Låt den Rätte Komma In, Suécia, 2008), de Tomas Alfredson. Com Kåre Hedebrant,
Lina Leandersson.

18h20 – Sede de Sangue

(Bakjwi, Japão, 2009), De Chung Seo-kyung, Park Chan-wook. Com Song Kang-ho, Kim Ok-vin, Kim Hae-sook.


20h40 – Terra Deu, Terra Come

(Bra., 2010) De Rodrigo Siqueira.


Quinta, 16 de Dezembro


16h – Atraídos pelo Crime

(Brooklin Finest, EUA., 2009), De Antoine Fuqua. Com Richard Gere, Ethan Hawke, Don Cheadle, Wesley Snipes, Lili Taylor, Ellen Barkin.


18h15 – Hanami: Cerejeiras em Flor - (2ª exibição)

(Kirschblüten: Hanami, Alemanha, 2008). De Doris Dörrie. Com Elmar Wepper, Hannelore Elsner. Seleção oficial de Berlim 2008. 126 min. / Filmes da Mostra / Inédito / Digital / 14 anos.


20h30 – A nova safra de curtas metragens pernambucanos

- O Monstro da Várzea

De André Pinto

ficção, cor, digital, 3 min., PE, 2010

- O Ano Passado em Itamaracá

De German Ra

ficção, cor, digital, 15min., PE, 2010

    -My Way
    direção: Camilo Cavalcante. Com Marisa Santanafessa, João Eduardo, Asaias Zaza, Soraya Silva, Henrique Viana Brandão, Hugo Coutinho, Aninha Martins
    ficção, cor, digital, 7min, PE, 2010

    - Café Aurora
    direção: Pablo Polo
    ficção, cor, 35mm,19min, PE, 2010

    - Acercadacana
    direção: Felipe Peres Calheiros
    documentário, cor, 35mm, 19min58, PE, 2010




domingo, 28 de novembro de 2010

PostHeaderIcon Edição 2010 do Festival de Vídeo de Pernambuco


De segunda (29/11/2010) até quinta (02/12/2010) ocorrerá, no cinema São Luiz a edição 2010 do Festival de Vídeo de Pernambuco, o qual, segundo reportagem recentemente publicada no jornal Diário de Pernambuco (vide o link no final desta postagem) é "a maior vitrine da atual produção local de curta metragens". As exibições se darão sempre a noite e a entrada é gratuita.
Abaixo, seguem o link da reportagem mencionada, bem como a programação completa. Aproveitem!


Alberto Bezerra


http://www.diariodepernambuco.com.br/2010/11/27/viver1_0.asp


Segunda, 29/11

19h

O Sertão de Zé do Mestre, de Alice Chitunda
Ossos do ofício, de Camila Rocha, Luciano Branco, Ricardo Arruda, Yuri Serbedzidja e Thiago Oliveira
Cacique Luna - guerreiro dos caboclinhos, de Patrícia Aráujo, Isabella França, Aline Silva
Vale desenho, de João Lin
Cambinda Estrela, maracatu de festa e de luta!, de Adriano Lima
Poesia em alto relevo, de Hanna Godoy

20h30

Mestre Dengoso, de Alex Ramos, Carlos Alberto, Diogo Sobral, Obailê Santana, Marcos Paulo, Pablo José, Rayanne Kelly e Washington Santos
Mar de Lia, de Hanna Godoy
Por que não?, de Mariane Bigio
Do morro?, de Mykaela Plotkin e Rafael Montenegro
Confessionário, de Leonardo Sette
Nós, de Victor Dreyer
Filmes e quadrinhos, de Domingos Sávio
Cores da rua, de César Santos e Marcele Lima
As aventuras de Paulo Bruscky, de Gabriel Mascaro

Terça, 30/11

19h

Maxixe, de Breno César
Bode movie, de Taciano Valério
River raid - Alright (4 minutos, 2010), de Pedro Severien
Bokeh, de Breno César
À felicidade, de Carlos Nigro
Breve ensaio sobre a bestialidade humana, de Wilson Freire
Teatro da alma, de Deby Mendes

20h30

Fome de bola, de Juliana Serfaty e Isaac Chueke
Intempestiva, de Carlos Nigro e Cacá Macena
My way, de Camilo Cavalcante
Tempo impresso, de Marcos Enrique Lopes
Matriuska, de Pablo Polo
Afeiçoado, de Diogo Luna
Malunguinho, histórico divino, de Mísia Coutinho
Coisa linda, de Cezar Maia
Dualidade, de Bruna Coutinho
A minha alma é irmã de Deus, de Luci Alcântara

Quarta, 1/12

19h

Cerol, de Adalberto Oliveira
O milagre da multiplicação dos sons, de Elessandra Melo, Monike Freitas e Paula Thayza
Não sei de devo, de Muniz e Vitor
Pernambuco, você é meu, de Brenno Costa e Ana Luíza Madeiro
Vodka, de Victor Dreyer

20h30

Balaiagem, de Uiane Dantas
Se essa rua fosse minha, de Ariana Gondim
Sertão vazio, longe que só a gota, de Pablo Ferrari e Wilson Freire
O monstro da Várzea, de A. Pinto
Ninhos antigos, de Osman Godoy
Corpo Urb, de Mariane Bigio
Moro... ou não moro, de Martina Marzagalli
Caiu a ficha, de O. Nascimento
O homem dela, de Luiz Joaquim
Retinianas, de Luís Henrique Leal
Guerreiros da Água e da Terra, do Coletivo Macunaíma Colorau

Quinta, 2/12

19h

O vizinho da frente, de Júlia Araújo e Nathália D'emery
Profissional da noite, de Kleber Dibianchi
Reverie, de Marlom Meirelles
Querida Clara, de João Tavares
Júlia e o porco, de Fernanda Mateus
Tá moco é?, de Daniel Monteiro do Nascimento

20h30

Brecha, de Júlia Araújo e Nathália e D'Emery
Um beijo para ele, de Ubirajara Machado
Depois de um vôo, de C. Santos
Retratos, de Tabosa e Rafael Negrão
Pesadelo, de Paulo Leonardo
Aqui mora uma pessoa feliz, de Jean Santos
Drink me, de Eduardo Monteiro, Chiarina Beloto, Zé Diniz, Marília Cantuária, Raiony Costa e Juliana Rogge
Efeito peixe, de Luna Matos
Expresso, de Paulo Leonardo
BBC Olinda, de Lourival Cuquinha
Memórias de minhas putas alegres, de João Borba
segunda-feira, 22 de novembro de 2010

PostHeaderIcon Mostra de Cinema Espanhol Atual 2010


A Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) exibe, de 24 a 28 de novembro, filmes da terceira edição da Mostra de Cinema Espanhol Atual. As sessões serão realizadas na sala Joaquim Cardoso, localizada da Fundaj/Derby, Recife. Neste ano, a mostra está constituída por cinco filmes, entre produções totalmente espanholas e co-produções, como é o caso do premiado "A Teta Assustada" (Peru-Espanha).


A Mostra de Cinema Atual Espanhol é uma realização da Embaixada da Espanha e está em itinerância por 10 capitais brasileiras. A entrada é franca.



Filmes na programação 2010

- Amateurs, de Gabriel Velázquez
- Caminho, de Javier Fesser
- Forasteiros, de Ventura Pons
- Um Namorado para Yasmina, de Irene Cardona
- A Teta Assustada, de Claudia Llosa

Serviço

O que: Mostra de Cinema Atual Espanhol

Quando: de 24 a 28 de novembro

Onde: Cinema da Fundação - Fundação Joaquim Nabuco

Endereço: Fundação Joaquim Nabuco. Rua Henrique Dias, 609, Derby. Recife – PE. CEP: 52010-100

Informações: (81) 3073.6689 | www.fundaj.gov.br/cinema
sexta-feira, 12 de novembro de 2010

PostHeaderIcon III Janela Internacional de Cinema do Recife



Saudações cinéfilas!
De sexta-feira (12/11/2010) até o outro domingo (21/11/2010) estará sendo realizada a III Janela Internacional de Cinema do Recife, onde serão exibidos diversos curtas e longas mestragens. Os locais serão o Cinema São Luiz e o Cinema da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ); os preços estão bastante acessíveis (sobretudo no São Luiz, que além de mais barato, possui maior número de assentos); os preços podem ser vistos no final desta postagem.
Após uma postagem inicial, qual não indicava nenhum filme, me infomei melhor (através da reportagem publicada no sábado 13/11/2010 no jornal Diário de Pernambuco), modifico o conteúdo desta (a postagem), emenciono os filmes destacados pelo jornal.
Primeiramente, a" trilogia do dólar"de Sergio Leone (responsável pela "repopularização" dos filmes de faroeste, inventando um subgênero dentre deste, chamado "western spaguetti", no Brasil conhecido como "bang bang àitaliana"); trata-se dos seguintes filmes (todos a serem exibidos no cinema São Luiz):

Três homens em conflito (1966)
Por um punhado de dólares (1964)
Por uns dólares a mais (1965)


Outros filmes destacados pelo jornal são os seguintes longas:


O mágico (2010, de Silvian Chomet, animação, França/Inglaterra)
Minha alegria (2010, de Serguei Loznitsa, Alemenha/Holanda/Ucrânia)


e os seguintes curtas:


Aeroporto (de Marcelo Pedroso, PE)
Janela molhada ( de Marcos Enrique Lopes, PE)
Ave Maria ou mãe dos sertanejos (de Camilo Cavalcante, PE)
Big Bang Big Boom (de Blu, Itália)
História de cão (de Serge Avédikian, França)

Eis o link do site do evento, no qual se encontra a programação completa:
http://www.janeladecinema.com.br/?acao=home
Saliento que neste endereço, na página principal, pode ser baixada a programação completa em PDF.
Bom proveito!

Alberto Bezerra


LOCAIS DE EXIBIÇÃO

CINEMA SÃO LUIZ
INGRESSOS
Curtas R$1
Longas R$2 (meia) e R$4 (inteira)

Rua da Aurora, 175
Boa Vista, Recife PE
(81) 34234031
twitter.com/cinemasaoluiz


CINEMA DA FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO
INGRESSOS
Curtas R$1
Longas R$4 (meia) e R$8 (inteira)
(meia entrada para todos nos longas brasileiros)


Rua Henrique Dias, 609
Derby, Recife PE
81 30736688 / 81 30736689
twitter.com/cinemafundacao
segunda-feira, 1 de novembro de 2010

PostHeaderIcon A origem: Chistopher Nolan constrói outro profundo labirinto psicológico





Foram dois os motivos principais que me levaram a assistir “A origem” (Incpetion, EUA, 2010, de Chistopher Nolan) no cinema: a temática dos sonhos, pela qual nutro grande interesse (tendo inclusive começado a ler “A interpretação dos sonhos” de Freud ano passado, sem, contudo, concluí-la, devido a outras leituras mais urgentes), bem como o fato de se tratar de uma obra de Cristopher Nolan (diretor de um de meus filmes favoritos: “Amnésia”, de 2000). Aliás, os dois motivos se imbricam perfeitamente, visto que Nolan costuma investir em aspectos psicológicos de seus personagens (aspectos estes que conduzem a trama), recorrendo frequentemente a flasbacks que nos mostram lembranças (curiosamente, não lembro, porém, dele ter retratado sonhos em alguns de seus filmes anteriores que tive oportunidade de assistir – “Batman Begins” (2005), além do já citado “Amnésia”.

Geralmente, os filmes para os quais crio expectativa, insistem em quebrá-las: quando são elas demasiadas, acabo me frustrando (não recordo exemplo recente) e quando são baixas, por vezes me surpreendo positivamente (o exemplo mais próximo foi “Chico Xavier”, de quem esperava muito pouco). Curiosamente, “A origem” é pelo menos o terceiro filme que vi no cinema nos últimos meses em relação ao qual minha expectativa se mostrou correta (os outros dois foram “Alice” de Tim Burton e “À prova de morte” de Quentin Tarantino, os quais confirmaram minha expectativa de serem bem fracos). Porém o diferencial do filme de Nolan em relação a estes últimos é que não o achei fraco; no entanto, foi-me impossível tira-lo da sombra de “Amnésia”, que para mim cheira a apogeu precoce, tal qual “Pulp fiction – tempo de violência”, segundo filme de Tarantino que sequer foi igualado (que dirá superado) por suas obras posteriores.

Dois aspectos em especial me desagradaram em “A origem”: as cenas de ação e a escolha de um astro como protagonista. Não que tais aspectos sejam propriamente negativos, eu é que, no meu gosto pessoal não me agradei deles (minha não tão recente “peitica” com Hollywood, bem conhecida por aqueles que costumam acessar este blog). As cenas de ação são bem feitas e – o mais importante – em momento algum tomam preponderância em detrimento do enredo; entretanto, com “Amnésia”, Nolan conseguira fazer um filme tão inteligente e intrigante quanto “A origem”, se recorrer a elas. Quanto a Leonardo Di Carprio, desempenha bem seu papel e já mostrou em outros filmes que sabe atuar, porém Guy Pearce (protagonista de “Amnésia”), conseguiu, a meu ver, desempenho equivalente, com a vantagem de não ser um astro; aclarando a questão, para os que ainda não entenderam meu incômodo: ainda que não tenha aberto mão de estilo peculiar, digamos assim, “psicologicamente intricado”, ao fazer uso de cenas de ação, somando a estas o recurso a um astro como protagonista, Nolan aderiu a certos padrões hollywoodianos que estavam ausentes em “Amnésia”, que se não me engano era um filme independente. Posta de lado esta ressalva, bem como a comparação (talvez injusta, mas impossível de não ser empreendida por mim) com o filme de 2000, “A origem” se revela um filme realmente bom, e acima da média das produções atualmente realizadas.

O mote do enredo é simples, o que é complexo são seus desdobramentos; Dom Cobb (Di Caprio) “trabalha” roubando segredos industriais nos sonhos (!) dos grandes magnatas; é, porém, contratado para uma missão um tanto diferente: não roubar, mas desta vez implantar uma idéia na mente do herdeiro de um grande grupo de empresas. O braço direito de Cobb afirma ser isto impossível, mas ele o refuta, afirmando que já o fez. Ficamos sabendo já próximo do fim do filme que tal fato se deu com sua esposa; em longo sonho coletivo, eles passaram anos a fio na companhia um do outro, envelhecendo juntos; aparentemente, ela perdeu a noção de realidade, de modo que ele se viu obrigado a lhe plantar a idéia de que aquilo era um sonho (e de fato era), sendo necessário acordar para retornar ao mundo real; não contava ele com um efeito colateral: sua esposa continuaria pensando estar sonhando, mesmo quando em vigília, no mundo real, de modo que se suicida para acordar (ao longo do filme somos informados que no âmbito do sonho, morrer significa acordar, exceto quando se está dopado por grandes doses de sonífero: neste caso, morrer no sonho equivale a cair num coma na vida real); antes de tirar sua própria vida porém, a esposa de Cobb procura três psicólogos/ psiquiatras que atestam sua saúde mental (seu distúrbio se referia “apenas” ao julgar estar sonhando), de modo que ele passa a ser acusado de homicídio (a intenção dela era que também ele se suicidasse, para acordar), e não vê outra saída senão tornar-se um ladrão de segredos nos sonhos alheios.

Os um tanto complexos desdobramentos de tal enredo consistem justamente na inserção de Cobb e sua “equipe” nos sonhos do tal magnata; é interessante perceber que a possibilidade de sonhos compartilhados, no qual alguém extrai informações importantes de outrem constitui conhecimento de domínio público, tanto que não só aquele que o contrata, mas também o alvo da operação estão cientes das invasões que seus respectivos sonhos podem sofrer. Por isso mesmo utiliza-se a técnica do sonho dentro do sonho (que me remete à “A hora do pesadelo”, do simpático Freddy Krueger); dessa forma, a equipe de Cobb traça um plano para descer três níveis no sonho da vítima: um sonho dentro de um sonho dentro de outro sonho; no entanto, algo dá errado e o protagonista se vê forçado a descer ainda mais um nível. Voltaremos a isso.

Há ainda um outro defeito: a falta de criatividade na construção dos sonhos, defeito duplamente grave, tanto pela qualidade do diretor, como pela plasticidade que os sonhos fornecem no sentido de materialização das mais absurdas coisas, sem que se perda a verossimilhança; ao contrário, é justamente o advento do absurdo que torna um sonho verossímil (estar num lugar e ao virar-se encontrar-se já noutro; ver uma pessoa que no momento seguinte torna-se outra, experimentar diversos tipos de estranheza): nada disso há em “A origem”. Para não dizer que os sonhos são de todo decepcionantes, há dois momentos que enchem os olhos: quando, num “treino”, a arquiteta sobrepõe uma cidade à outra, ficando uma de ponta a cabeça em relação a outra (ela literalmente dobra uma paisagem sobre outra), bem como a cena (dupla, primeiramente com, depois sem gravidade) de combate num corredor de hotel, onde a turbulência do local (que se deve ao fato de se estar num sonho dentro do sonho, de modo que no sonho do nível acima estão todos dormindo numa van em queda livre, e tal queda interfere no sonho passado no hotel, que vira balança tal qual a van) faz com que paredes se tornem chão e vice-versa, cena esta que me lembrou “Matrix” (na cena da van e em outras há câmera lenta.

Passemos ao que considero mais importante no filme: sua inserção dentro de um estilo já consolidado de Chistopher Nolan, que sempre explora a psique de seus personagens, flertando com a dúvida acerca do que é realidade ou ilusão. O fato de Cobb por vezes não saber o que é real me remete diretamente a “Amnésia”, onde o protagonista perde sua identidade, a ponto de não se lembrar de alguém que acabou de conhecer e, portanto, não poder confiar em ninguém, não podendo igualmente construir qualquer tipo de relação sólida. Outro aspecto que aproxima os dois filmes é a culpa ostentada pelos protagonistas: Cobb sente-se (e é) responsável pelo suicídio da mulher, por ter-lhe plantado uma idéia que, nas palavras do próprio, cresceu dentro dela como um vírus (nada mais forte que uma idéia, quando realmente acolhida por uma mente, afirma o filme). Leonard, por sua vez, talvez seja culpado pela morte de sua esposa, ao dar-lhe doses excessivas de insulina, devido a seu esquecimento. Em “A origem”, o risco de não saber-se dormindo ou acordado existe para todos, por isso aconselha-se a arrumarem um totem, que ao ser avistado garantiria estarem despertos (confesso que não entendi bem essa idéia, pois por que diabos ele não poderia aparecer no sonho?). O totem de Cobb fora herdado de sua esposa: consiste num pequeno objeto que roda como um pião; tal objeto aparece dentro de um sonho, mas no filme diz-se que só no estado de vigília ele para de rodar (sabe-se lá o motivo!). A culpa de Cobb faz com que ele projete sua esposa nos sonhos em que tenta roubar informações e ela lá está para sabotar suas operações; no caso de encomenda especial de implantar uma idéia, a esposa também se faz presente, levando o contratante – que também estava dentro do sonho, para garantir ser cumprida a missão – a um quarto nível de sonho; Cobb vai busca-los e decide renunciar seu despertar, escolhendo ficar ao lado da mulher naquele sonho (algo que me lembrou a renúncia do esposo, aceitando ficar ao lado da mulher no inferno em “Amor além da vida”); o filme finda com Cobb diante do contratante, havendo o “pião” rodando na cena: a certa altura ele parece perder velocidade e estabilidade, mas o filme finda antes que possamos constatar se ele cai ou não, de modo que não é – no meu entender – respondido se aquilo se trata de um sonho ou da realidade (minhas interpretações iniciais acerca de “Amnésia” eram justamente a de que propositalmente não há solução para o enigma, ainda que na última vez que o assisti, tal tese tenha sido abalada).

Para findar a presente resenha, um esclarecimento de algo que talvez não haja ficado suficientemente claro: afinal, o filme é bom ou não? Depende. Se comparado a maioria dos filmes lançados nos últimos tempos (inclusive europeus), mas sobretudo em relação aos hollywoodianos, é certamente um bom filme. Mas se levarmos em conta o potencial de Nolan, bem como as potencialidades que um enredo centrado em sonhos fornece (“Morangos silvestres” de Bergman e alguns filmes de Buñuel, além do já citado “A hora do pesadelo” constituem bons exemplos), não me parece exagero considerar “A origem” como um desperdício de talento e de dinheiro.


Alberto Bezerra de Abreu, 11/09/2010


Ps, fica aqui a sugestão de uma interessante resenha sobre o filme:

http://quadradodosloucos.blogspot.com/2010/08/critica-origem-christopher-nolan-2010.html

sábado, 2 de outubro de 2010

PostHeaderIcon A revolução não será televisionada ou quando o esquerdismo bocó fura os olhos e tritura os cérebros dos naïves



*Pedro Sobral


No ano de 2001, os cineastas irlandeses Kim Bartley e Donnacha O’Briain viajaram à Venezuela para fazer turismo político e realizar um documentário sobre o já então controverso presidente Hugo Chávez, empossado dois anos antes.

Ao longo das filmagens, a dupla irlandesa se dá conta de que está em marcha um agudo processo para depor o presidente eleito pelas urnas e, sensatamente, muda o foco do documentário da figura burlesca de Hugo Chávez para a ruidosa oposição política e midiática no país caribenho. E voilà: nasce o ornitorrinco – animal estranho, monstrengo à Frankenstein – A revolução não será televisionada (The revolution will not be televised – Irlanda, 2003, 74 minutos).

Os mais incautos dirão que A revolução não será televisionada comprova a existência de uma burguesia local malvada, alinhada ao imperialismo norte-americano, preocupada com seus próprios interesses imediatos. Mas o ambiente político da Venezuela de antes e depois das filmagens é muito mais complexo do que o vulgar maniqueísmo e não comporta enquadramentos desse modelo. Para se ter uma idéia do desgaste do sistema de representação venezuelano em 1998, basta dizer que a principal adversária de Hugo Chávez na disputa majoritária daquele ano era Irene Sáez, ex-Miss Universo, que concorreu com o arfante apoio político da Acción Democrática – agremiação que se revezava no poder com seu congênere Copei (partido democrata-cristão) havia exatamente quarenta anos.

Imediatamente após a posse, em 1999, Chávez convoca uma assembléia constituinte que dissolve a Câmara Alta do país (e sem senadores fica mais fácil governar com parca oposição tendo em vista que a Câmara Alta não é – necessariamente – governista como sói ser a Câmara Baixa), muda o nome da nação de República Federativa da Venezuela para República Bolivariana da Venezuela e revoga alguns dispositivos constitucionais acerca da extração de petróleo pela estatal Pdvsa, grande fomentador de divisas para os venezuelanos, além da lei de posse de terras.

No que toca ao adjetivo bolivariano, devo abrir um parêntese: estive na Venezuela em 2007 e me impressionou como tudo no país recebe – agora com Chávez – o epíteto bolivariano: rua bolivariana, avenida bolivariana, universidade bolivariana, político bolivariano e assim sucessivamente ad nauseam, ad aeternum e ad infernum. Seria o pesadelo extremo daquela personagem do desenho animado Pernalonga (um baixinho, com longos bigodes cujo nome se esvaiu de minha memória). Em um episódio, o coelho Pernalonga deixa essa personagem de baixa estatura enlouquecida e paranóica. E, na sua mente enferma, todas as pessoas que vê na rua – policiais, mulheres, bebês... – são coelhos e sempre lhe contestam com a indefectível pergunta: “O quê é que há, chefe?” Foi mais ou menos isso que senti na República Bolivariana: “O quê é que há, bolivariano?” Demente.

Na panfletária película, os oposicionistas venezuelanos são pegos em seus piores momentos: numa associação patronal de bairro, um dos oradores pede que seus colegas vigiem suas empregadas domésticas, pois elas podem levar explosivos para detonar as casas burguesas; em outra cena, vemos imagens de algum canal privado do país e num desses programas matutinos de futilidades, quero dizer, variedades, a apresentadora se despede dizendo “Até quinta, de preferência sem Chávez!”; em um noticiário televisivo, em que o âncora anuncia que líderes da Acción Democrática solicitaram um exame de sanidade mental do presidente. Por outro lado, dos chavistas só são apresentados os momentos de música e poesia, e não se fotografa a realidade dos militantes rojos, rojitos1 (assim os chama Chávez): desocupados, violentos, cegos ao personalismo do caudilho etc.

Em fevereiro de 2002, o presidente do país resolve acomodar sua “cumpanheirada” na cobiçada estatal Pdvsa, em detrimento aos quadros técnicos que geriam a empresa até então. Foi a senha para a oposição convocar uma marcha em direção à sede da petrolífera. Neste ponto, A revolução não será televisionada assume o papel de imprensa chavista e manipula/distorce as informações a gosto. Os oposicionistas liderados pelo presidente da federação de comércio local (um equivalente seria a Fiesp no Brasil), Pedro Carmona, e o líder da principal central sindical do país, Carlos Ortega, decidem entre si desviar a passeata da sede da Pdvsa até o Palácio de Miraflores (palácio do governo) onde chavistas já estavam acomodados. Só poderia dar em morte – e deu. Ambos, situação e oposição, se acusam pelo assassinato de pelo menos 19 pessoas no dia 11 de abril de 2002. Para Bartley e O’ Briain, por supuesto, as mortes foram causadas pelos militantes oposicionistas. Os irlandeses conseguiram filmar dentro de Miraflores os bastidores do golpe, a prisão de Chávez, a assunção de Pedro Carmona como presidente venezuelano e o contragolpe a partir de membros da guarda leal ao recém-deposto presidente.

A revolução não será televisionada termina com Hugo Chávez reassumindo o posto de mandatário máximo do país caribenho. Nos anos que se seguiram ao golpe perpetrado pela dupla Carmona/Ortega, o governo Chávez transitou de uma semi-democracia pautada no mais castiço populismo latino-americano para um regime totalitário e ditatorial, pura e simplesmente.

O golpe de 02 é sempre utilizado pelo caudilho para justificar qualquer ação institucional de seu governo no âmbito de cercear a liberdade de imprensa – daí o fechamento da mais famosa rede de televisão local, a RCTV, em 2007, de 250 rádios com programação ligada aos poucos – e bravos – oposicionistas, em 2009, ademais das ameaças constantes ao canal Globovisión. Tal qual Il duce, o ditador italiano Benito Mussolini, Chávez fomentou grupos para-militares que devem obediência apenas ao ditador venezuelano (La Piedrita e Los Tupamaros – nome que imita o dos guerrilheiros/terroristas uruguaios dos anos 70, são exemplos), além das constantes agressões às instituições universitárias – as não-bolivarianas, que fique claro. Mas o mais aterrador é, sem dúvida, a Lista Tascón, de 2004. A dita lista enumera as pessoas que votaram a favor de um referendum revocatório do governo Chávez naquele ano. Aos desavisados que tiveram sua firma na lista, restou prosseguir a vida sem contar com a proteção e qualquer benefício do Estado: não podem mais tirar passaportes, os que eram funcionários públicos – de qualquer nível – foram exonerados, é negado crédito oficial aos empreendedores da Lista Tascón, entre outras arbitrariedades que tais.

A Venezuela caminha a passos céleres para uma guerra civil. As fraturas da sociedade local não estão mais calcadas nas diferenças entre pobres x ricos, mas entre chavistas e anti-chavistas. O país caribenho ficará rojo, rojito com o sangue dos embates que se aproximam. Por hora, já está vermelho de ódio.



1 Vermelho, vermelhinho é a referência de Hugo Chávez a seus militantes e seguidores, pois costumam usar camisa vermelha, símbolo da esquerda.


*Pedro Sobral é licenciado em história pela Universidade Católica de Pernambuco, bacharelando em ciências sociais pela UFPE, professor da rede pública e particular e cinéfilo nas horas vagas.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

PostHeaderIcon Morangos Silvestres: retrato psicanalítico da culpa numa velhice misantrópica





Existem obras que conseguem se tornar marcantes para nós. Acredito haver pelo menos dois motivos para tal: sua capacidade de nos fazer refletir, bem como de nos propiciar estreita identificação com algum personagem ou situação. Pessoalmente, enxergo ambas as características em “Morangos Silvestres” (Smultronstället, Suécia, 1957) de Ingmar Bergman. Tive recentemente a oportunidade de mais uma vez o reassistir, dessa vez em película na sessão de arte/ clássicos do São Luiz. Meu contato inicial com a obra se dera em 2006 e a paixão fora imediata e arrebatadora. Devo tê-lo assistido pelo menos uma vez mais, antes desta última, mas fazia pelo menos um ano que não voltava a ele. Assistindo-o no cinema consegui empreender uma visão mais crítica e afastada, percebendo alguns deslizes nítidos (que não só eram-me imperceptíveis, como impensáveis nas primeiras vezes que o contemplei), os quais, no entanto, pouco irão acrescentar a este texto.
Antes de adentrarmos no enredo, gostaria de recorrer a alguns dizeres de Bergman, extraídos de um livro com entrevistas do cineasta, intitulado “O cinema segundo Bergman” (Ed. Paz e Terra, 1977); como “Morangos Silvestres” é de meus filmes mais caros, sinto-me impelido a tentar empreender uma análise mais aprofundada dele, ainda que sem estender-me em demasia. Pois bem, no livro mencionado, Bergman esclarece que o mote da obra se baseia num sentimento de nostalgia em relação à infância (chega a citar Maria Wine, segundo quem “dormimos no sapato da nossa infância” [.p.109]); temos, portanto, um forte indício psicanalítico, ao menos da psicanálise freudiana. Ainda que o cineasta negue tal influência (ao menos no âmbito consciente da criação), tendo afirmado “O lado psicanalítico do filme não me parecia nem um pouco evidente. É uma etiqueta que outros colocaram nele, depois” (p. 115), sua posição me parece equivocada, pois os sonhos possuem papel fundamental em “Morangos silvestres”, sendo que pelo menos o primeiro – na minha interpretação – expressa um desejo (novamente Freud).
Para quem conhece Bergman minimamente, não é necessário mencionar que a obra traz aspectos bastante pessoais; no entanto, a mim parece que este tem alguns indícios auto-biográficos, sensação esta que é corroborada pela fala do próprio, ao afirmar: “este homem deveria ser um velho egocêntrico, cansado, que tinha se afastado completamente do mundo que o cercava, como eu mesmo o fiz” (p. 109); é curioso salientar que, apesar de não ser exatamente um velho quando realizou tal obra, em documentário recentemente produzido sobre sua vida, intitulado “A ilha de Bergman”, o cineasta aparece vivendo sozinho e isolado, na célebre e emblemática ilha de Faro, já bastante idoso. Tenho forte impressão que o médico Isak Borg e o cineasta Ingmar Bergman tiveram em comum o fato de darem ênfase em suas vidas profissionais em detrimento de suas relações pessoas/ afetivas. Passemos então ao filme propriamente dito.
“Morangos silvestres” narra a história de um velho misantropo, egocêntrico e egoísta, porém educado e refinado, que obviamente não cultiva relações pessoais prósperas, mas é um competente médico que viajará para receber uma homenagem acadêmica. Seu nome, como dito acima, é Isak Borg (nome que pode ser traduzido como “fortaleza de gelo”, numa escolha proposital de Bergman, que, aliás, afirmou só posteriormente ter percebido que o personagem tem suas mesmas iniciais); tal personagem é interpretado pelo veterano Victor Sjöströn, diretor de célebres filmes do cinema mudo sueco, como “A carruagem fantasma” (1921) e “Ingeborg Holm” (1913). Ao decidir ir não mais de avião, mas de carro, acaba tendo a companhia de sua nora Marianne (Ingrid Thulin) que estava momentaneamente separada de Evald (Gunnar Björnstrand), filho único e indesejado de Borg (que, aliás, fora traído pela esposa, a ponto de Evald dizer a Marianne que nem sabe se é mesmo filho daquele que chama de pai), em virtude de seu posicionamento pró-aborto dela (numa de suas falas, quando é surpreendido pela notícia da gravidez, Evald se posiciona veementemente contra ela, afirmando não ser este um mundo bom para se pôr nele um filho). Toda a história gira em torno da viagem de Borg, sendo intercalado por diálogos com alguns interlocutores (entre os quais Marianne é a mais significativa, sendo a única que o enfrenta – aliás, a altivez de Ingrid Thulin merece meu louvor pessoal, bem como o do próprio Bergman, que afirmou “Uma pessoa qualquer não poderia responder a uma personalidade tao impressionante quanto Victor Sjöström” (p. 124)), bem como por lembranças e sonhos do protagonista (as primeiras o transportam para sua juventude; os últimos apontam sua culpa e sua condição vegetativa).
Borg tem 78 anos (isso é mencionado), e já no início do filme, destaca sua dedicação à ciência e o caráter arisco de sua personalidade, ao se auto-intitular meticuloso e afirmar ter tornado sua vida, bem como a daqueles que o cercam, difícil. Ainda no início da obra, numa das cenas mais espetaculares de toda a história do cinema, somos transportados a um sonho do protagonista: Borg se encontra sozinho em uma cidade que aparenta estar completamente deserta; avista um grande relógio pendurado sobre uma casa, estando ele sem ponteiros; tira então um velho relógio (daqueles presos numa corrente, que não possuem pulseira) e constata também nele a inexistência de ponteiros (o que parece-me indicar estar ele parado no tempo e/ou sua relatividade/ ausência de sentido)/ a seguir, avista alguém de costas que, ao se virar, ostenta uma estranha fisionomia, com olhos e boca fechados, aparentemente colados (o que pode indicar incomunicabilidade); em seguida, tal pessoa se dissolve, restando somente suas roupas (mostrando talvez a dissolução das relações pessoais do protagonista: a única pessoa que encontra se dissolve). Vemos então uma carroça dobrar a esquina (uma possível alusão ao filme “A carruagem fantasma” de Sjöströn); uma de suas rodas se solta e rola em direção a Borg que se esquiva, assustado, sendo quase atingido por ela. Na seqüência, o veículo se engancha num poste e ao tentar desvenciliar-se do empecilho, derruba um caixão que cai entreaberto; ao avançar em direção a ele, Borg vê uma mão se erguendo e em seguida, constata perplexo ser ele mesmo o suposto cadáver (acredito haver aqui uma inversão de papeis: um Borg literalmente morto buscando a vida – ele puxa o braço do Borg que o fita de fora do caixão – e um Borg que apesar de vivo, não vive, mas sobrevive, vegeta, sendo, portanto, um morto-vivo). Não bastasse a soberba – e verossímil – caracterização de um sonho (contemplando de forma bastante convincente suas dimensões onírica e alegórica), tal cena é também um primor estético, constituindo simultaneamente a mais bela e realista apresentação de um sonho que já vi no cinema.
Como dito anteriormente, Marianne é a única que se atreve a confrontar Borg, contribuindo assim para abrir-lhe os olhos, ao afirmar que nele o egoísmo está disfarçado em civilidade e charme, bem como mencionando suas opiniões categóricas (ela cita um exemplo específico do qual não me recordo, mas que é certamente pejorativo em relação ao interlocutor do velho médico). Ao encontrar a jovem Sara (Bibi Anderson), acompanhada de dois jovens que disputam seu amor, Borg relembra sua juventude (coisa que também faz ao visitar a casa onde ele e sua família morava nesta época e onde vê sua amada – que apesar de ser sua namorada, será desposada por seu irmão – colher os morangos silvestres que dão nome ao filme); tais lembranças são mostradas em flashback e constituem, e minha opinião, um momento menos rigoroso do filme (atuações medianas, cenas não tão bem realizadas/costuradas quanto as que trazem os atores principais); cabe salientar um ponto destacado na resenha do filme presente no livro “1001 filmes para assistir antes de morrer”: ao intercalar tais sonhos e lembranças com conversas que vemos em tempo real, Bergman nos apresenta traços subjetivos e objetivos do protagonista, evitando a perspectiva unilateral do vislumbramento do mundo exclusivamente pelos olhos de Borg.
Outra passagem bastante significativa e esclarecedora é aquela onde Borg vai visitar sua mãe (não lembro bem sua idade, mas é na casa dos noventa, se não me engano), acompanhado por Marianne, que ao ver a mãe de seu sogro, percebe que a frieza e egoísmo de seu esposo fora-lhe transmitidas de geração em geração (aqui, pareceu-me que além do aspecto cultural, sugeriu-se, ou mesmo afirmou-se um componente hereditário no sentimento de frieza do qual discordo). Antes disso, passam num posto e o frentista (interpretado por Max von Sydow), após atender Borg, recusa seu pagamento, afirmando que não esqueceu o que ele fizera (não se menciona o que seja, mas deduz-se que seja uma assistência médica, provavelmente gratuita ou a preço simbólico), o que mostra que o protagonista não só é profissionalmente competente, mas bem quisto por pessoas que não tiveram convivência íntima com ele. Porém, o próprio não deixa de ter consciência de seus espinhos, como quando, ironizando a homenagem que irá receber, diz a si próprio que deveria receber o título de idiota honorário (de fato, parece que o desperdício de vida de alguém que é culto e inteligente é maior que o das pessoas comuns). Porém, sua compreensão acerca de o quão desagradável é para os outros é ambígua, pois aparenta não só surpresa, mas mesmo certa perplexidade ao perceber que a rejeição a ele é maior do que supunha (ela afirma que Evald o respeita, mas também o odeia). Ainda que não se não se desça aos aspectos mais viscerais do ressentimento (como faria em “Sonata de outono” – já resenhado neste blog http://miradourocinematografico.blogspot.com/search?updated-min=2010-04-01T00%3A00%3A00-03%3A00&updated-max=2010-05-01T00%3A00%3A00-03%3A00&max-results=1 – ou em “Saraband”), Bergman não deixa de apresentar (como sempre), relações familiares deveras conflituosas, mesmo que não vislumbremos as brigas/ discussões presentes nos dois filmes citados a pouco.
As relações de Borg não são difíceis apenas com seus familiares, mas também com sua governante: ambos vivem as turras, constituindo dois idosos um mais rabugento que o outro. Numa das cenas de humor (sarcástico) do filme, Borg, após começar a ter uma maior consciência de quão desagradável é para os demais, age gentilmente com a governante que, surpresa, pergunta se ele está doente. Outra das raras cenas nas quais a harmonia se sobrepõe aos embates/ tensões/ lamentações é aquela na qual Borg, Marianne e os jovens fazem uma refeição ao ar livre e há verdadeira comunhão durante o recitar de uma poesia (não lembro quem começa, se o próprio Borg ou um dos rapazes, mas lembro que este é complementado por Marianne). A tranqüilidade não é inalcançável afinal.
Outra cena antológica, a qual – penso eu – pode-se dizer que se destaca da obra como um todo é a retratação de mais um sonho de Borg, no qual ele é julgado, numa mistura de tribunal judicial e exame de medicina (novamente a ambigüidade dos sonhos); primeiramente, é-lhe pedido que examine uma paciente; mal começa a fazê-lo e constata – dizendo-o ao examinador – que a paciente esta morta, mas basta proferir tal diagnostico para que ela se ponha a gargalhar escarnecidamente. Pede-se em seguida que ele profira o mandamento máximo de um médico e ele se surpreende ao perceber que esqueceu; o veredicto do examinador é o de incompetência por parte do velho médico; diante de uma pequena bancada que nada fala, é ele também condenado por indiferença, egoísmo e falta de consideração, tendo como pena a solidão. Acredito ser nesta cena que lhe chamam de frio como gelo; por fim, Borg dar-se conta de que pensou saber tanta coisa, mas não sabe de nada (novamente a questão do acúmulo de conhecimentos refinados e cultura erudita que nada contribuíram para algo mais essencial que a erudição: a sabedoria do bem viver).
Pessoalmente, acredito que pela forma com que Bergman conduziu o filme, qualquer desfecho categórico seria insatisfatório, de modo que o final, ao conseguir não ser nem otimista nem pessimista de modo enfático, sem também cair na apatia, encerra-se com um desfecho convincente e equilibrado, nisso diferindo de “Viver” (de Akira Kurosawa), o qual, ao converter o desperdício de uma vida em redenção derradeira encerra-se de maneira otimista. Até onde recordo, tal palavra passa longe dos filmes mais viscerais de Bergman.

Alberto Bezerra de Abreu, setembro de 2010
domingo, 15 de agosto de 2010

PostHeaderIcon Viver: desperdício convertido em redenção





Na noite da última sexta-feira não estive no local de costume, pois desisti de cursar a disciplina “sinuca II” este semestre. Assim, me encontrava em casa, lendo o primeiro volume do livro “O conceito de tecnologia”, do filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto, autor/ obra estes que constituem a base de minha dissertação de mestrado. Tal leitura era embalada pelo álbum “The crucible of man” do Iced Earth. Repentinamente tive um pensamento que não constituía propriamente uma novidade em minhas reflexões em termos de temática, mas que revelou uma nova feição em relação a um contexto específico. Explico: muito antes de sequer cogitar fazer filosofia já peguei-me refletindo sobre o sentido da vida, questão essa que parece afligir a muitos (apesar de que nos últimos tempos as pessoas em geral parecem cada vez mais preocupadas em imitar, em detrimento de pensarem com a própria cabeça). No entanto, dessa vez foi diferente, pois tive inicialmente o seguinte pensamento: se eu morresse agora (me refiro ao momento em que tive o pensamento) e pudesse fazer um balanço do valor de minha vida, a que conclusão eu chegaria? Devido a evidente conotação metafísica de tal reflexão, optei por reformula-la da seguinte maneira

(prescindindo da ideia de uma vida postmortem): se eu descobrisse agora ter pouco tempo de vida, que julgamento faria do que foi ela até então? Evidentemente esta reformulação dá ao indivíduo a possibilidade de ao menos fazer com que o epílogo de sua existência valha apena; tipo: “o que você faria se soubesse ter pouco tempo de vida?”. Parece haver duas respostas básicas para tal questão, as quais não são necessariamente – ao menos assim penso eu – auto-excludentes. São elas: procurar exceder-se e certos tipos de prazeres como bebida e sexo ou buscar outro tipo de prazer mais profundo e duradouro, aquele advindo da valorização e boa convivência com as pessoas. Afinal, já diz o ditado que só damos valor quando perdermos, de modo que muitas vezes amamos alguem mas nossas atitudes acabam não estando de acordo com tal sentimento.

Toda essa minha reflexão pessoal me remeteu a um filme que assisti recentemente: “Viver” (Ikiru, 1952) de Akira Kurosawa. Cheguei a tal filme através da leitura da sinopse do DVD “Morangos Silvestres” de Ingmar Bergman (ele de novo!), a qual afirmava serem estes dois filmes, juntamente com “Umberto D” (de Vittorio De Sica) obras fundamentais sobre a temática da velhice. Na realidade, ainda que o filme de Kurosawa traga um protagonista já um tanto velho, a temática trata menos da velhice que da morte eminente, devido a um câncer de estomago; a maneira como o personagem recebe o diagnostico (ou melhor, não recebe) é impagável. Humor na tragedia, como só os grandes sabem expressar. Ao contrário do glacial Isak Borg (protagonista de “Morangos silvestres”), o protagonista de “Viver” não é frio e arrogante, mas antes híbrido e apático. Perde-se na burocracia, mergulhado em toneladas de papeis, agindo de modo mecânico e desanimado. É deveras interessante o exemplo da jovem que abdica do emprego na repartição (ou algo do tipo, lembro-me apenas que se trata dum ambiente burocrático, destinado a aprovar obras públicas) por considerar tal ambiente como morto. Prefere então mudar de emprego, executando um trabalho pesado, dando-nos um contundente exemplo de alguém que não se deixa dominar pelo comodismo, ao contrário dos parasitas burocráticos que empestam o local. A caracterização que Kurosawa faz do sofrimento do povo, que, buscando melhoria em suas condições de vida ver-se num jogo de empurra-empurra onde ninguém assume as responsabilidade que lhe cabem expressa uma crítica social deveras verossímil e pertinente, talvez até mais ao ocidente que ao oriente.

Ao saber de sua condição terminal, o protagonista primeiramente se entrega a bebedeira e a putaria. Com o passar do tempo, porém, percebe que não será com tais prazeres superficiais que fará sua vida ter um sentido maior. Entrega-se então à missão de humanizar – um pouquinho que seja – o ambiente no qual trabalha, visando o bem-estar da população ao invés da comodidade dos funcionários que não se empenham em absolutamente nada. Seu empenho terá como fruto a construção de um parque/praça, no qual ele irá protagonizar uma das mais belas cenas da história do cinema (curtinha e em flashback). Acredito que as obras de Kurosawa tragam lições, e duas das presentes neste filme são a de que a vida tem o sentido que lhe damos e que ela é curta demais, não devendo, portanto, ser negligenciada. Afinal, como escreveu Clarice Lispector: “A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar duram uma eternidade. A vida não é de se brincar porque em um belo dia se morre”.


Alberto Bezerra de Abreu, 21/03/2010

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Alguém que escreve para viver, mas não vive para escrever; apaixonado pelas artes; misantropo humanista; intenso, efêmero e inconstante; sou aquele que pensa e que sente, que questiona e duvida, que escapa a si mesmo e aos outros. Sou o devir =)
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