segunda-feira, 1 de novembro de 2010

PostHeaderIcon A origem: Chistopher Nolan constrói outro profundo labirinto psicológico





Foram dois os motivos principais que me levaram a assistir “A origem” (Incpetion, EUA, 2010, de Chistopher Nolan) no cinema: a temática dos sonhos, pela qual nutro grande interesse (tendo inclusive começado a ler “A interpretação dos sonhos” de Freud ano passado, sem, contudo, concluí-la, devido a outras leituras mais urgentes), bem como o fato de se tratar de uma obra de Cristopher Nolan (diretor de um de meus filmes favoritos: “Amnésia”, de 2000). Aliás, os dois motivos se imbricam perfeitamente, visto que Nolan costuma investir em aspectos psicológicos de seus personagens (aspectos estes que conduzem a trama), recorrendo frequentemente a flasbacks que nos mostram lembranças (curiosamente, não lembro, porém, dele ter retratado sonhos em alguns de seus filmes anteriores que tive oportunidade de assistir – “Batman Begins” (2005), além do já citado “Amnésia”.

Geralmente, os filmes para os quais crio expectativa, insistem em quebrá-las: quando são elas demasiadas, acabo me frustrando (não recordo exemplo recente) e quando são baixas, por vezes me surpreendo positivamente (o exemplo mais próximo foi “Chico Xavier”, de quem esperava muito pouco). Curiosamente, “A origem” é pelo menos o terceiro filme que vi no cinema nos últimos meses em relação ao qual minha expectativa se mostrou correta (os outros dois foram “Alice” de Tim Burton e “À prova de morte” de Quentin Tarantino, os quais confirmaram minha expectativa de serem bem fracos). Porém o diferencial do filme de Nolan em relação a estes últimos é que não o achei fraco; no entanto, foi-me impossível tira-lo da sombra de “Amnésia”, que para mim cheira a apogeu precoce, tal qual “Pulp fiction – tempo de violência”, segundo filme de Tarantino que sequer foi igualado (que dirá superado) por suas obras posteriores.

Dois aspectos em especial me desagradaram em “A origem”: as cenas de ação e a escolha de um astro como protagonista. Não que tais aspectos sejam propriamente negativos, eu é que, no meu gosto pessoal não me agradei deles (minha não tão recente “peitica” com Hollywood, bem conhecida por aqueles que costumam acessar este blog). As cenas de ação são bem feitas e – o mais importante – em momento algum tomam preponderância em detrimento do enredo; entretanto, com “Amnésia”, Nolan conseguira fazer um filme tão inteligente e intrigante quanto “A origem”, se recorrer a elas. Quanto a Leonardo Di Carprio, desempenha bem seu papel e já mostrou em outros filmes que sabe atuar, porém Guy Pearce (protagonista de “Amnésia”), conseguiu, a meu ver, desempenho equivalente, com a vantagem de não ser um astro; aclarando a questão, para os que ainda não entenderam meu incômodo: ainda que não tenha aberto mão de estilo peculiar, digamos assim, “psicologicamente intricado”, ao fazer uso de cenas de ação, somando a estas o recurso a um astro como protagonista, Nolan aderiu a certos padrões hollywoodianos que estavam ausentes em “Amnésia”, que se não me engano era um filme independente. Posta de lado esta ressalva, bem como a comparação (talvez injusta, mas impossível de não ser empreendida por mim) com o filme de 2000, “A origem” se revela um filme realmente bom, e acima da média das produções atualmente realizadas.

O mote do enredo é simples, o que é complexo são seus desdobramentos; Dom Cobb (Di Caprio) “trabalha” roubando segredos industriais nos sonhos (!) dos grandes magnatas; é, porém, contratado para uma missão um tanto diferente: não roubar, mas desta vez implantar uma idéia na mente do herdeiro de um grande grupo de empresas. O braço direito de Cobb afirma ser isto impossível, mas ele o refuta, afirmando que já o fez. Ficamos sabendo já próximo do fim do filme que tal fato se deu com sua esposa; em longo sonho coletivo, eles passaram anos a fio na companhia um do outro, envelhecendo juntos; aparentemente, ela perdeu a noção de realidade, de modo que ele se viu obrigado a lhe plantar a idéia de que aquilo era um sonho (e de fato era), sendo necessário acordar para retornar ao mundo real; não contava ele com um efeito colateral: sua esposa continuaria pensando estar sonhando, mesmo quando em vigília, no mundo real, de modo que se suicida para acordar (ao longo do filme somos informados que no âmbito do sonho, morrer significa acordar, exceto quando se está dopado por grandes doses de sonífero: neste caso, morrer no sonho equivale a cair num coma na vida real); antes de tirar sua própria vida porém, a esposa de Cobb procura três psicólogos/ psiquiatras que atestam sua saúde mental (seu distúrbio se referia “apenas” ao julgar estar sonhando), de modo que ele passa a ser acusado de homicídio (a intenção dela era que também ele se suicidasse, para acordar), e não vê outra saída senão tornar-se um ladrão de segredos nos sonhos alheios.

Os um tanto complexos desdobramentos de tal enredo consistem justamente na inserção de Cobb e sua “equipe” nos sonhos do tal magnata; é interessante perceber que a possibilidade de sonhos compartilhados, no qual alguém extrai informações importantes de outrem constitui conhecimento de domínio público, tanto que não só aquele que o contrata, mas também o alvo da operação estão cientes das invasões que seus respectivos sonhos podem sofrer. Por isso mesmo utiliza-se a técnica do sonho dentro do sonho (que me remete à “A hora do pesadelo”, do simpático Freddy Krueger); dessa forma, a equipe de Cobb traça um plano para descer três níveis no sonho da vítima: um sonho dentro de um sonho dentro de outro sonho; no entanto, algo dá errado e o protagonista se vê forçado a descer ainda mais um nível. Voltaremos a isso.

Há ainda um outro defeito: a falta de criatividade na construção dos sonhos, defeito duplamente grave, tanto pela qualidade do diretor, como pela plasticidade que os sonhos fornecem no sentido de materialização das mais absurdas coisas, sem que se perda a verossimilhança; ao contrário, é justamente o advento do absurdo que torna um sonho verossímil (estar num lugar e ao virar-se encontrar-se já noutro; ver uma pessoa que no momento seguinte torna-se outra, experimentar diversos tipos de estranheza): nada disso há em “A origem”. Para não dizer que os sonhos são de todo decepcionantes, há dois momentos que enchem os olhos: quando, num “treino”, a arquiteta sobrepõe uma cidade à outra, ficando uma de ponta a cabeça em relação a outra (ela literalmente dobra uma paisagem sobre outra), bem como a cena (dupla, primeiramente com, depois sem gravidade) de combate num corredor de hotel, onde a turbulência do local (que se deve ao fato de se estar num sonho dentro do sonho, de modo que no sonho do nível acima estão todos dormindo numa van em queda livre, e tal queda interfere no sonho passado no hotel, que vira balança tal qual a van) faz com que paredes se tornem chão e vice-versa, cena esta que me lembrou “Matrix” (na cena da van e em outras há câmera lenta.

Passemos ao que considero mais importante no filme: sua inserção dentro de um estilo já consolidado de Chistopher Nolan, que sempre explora a psique de seus personagens, flertando com a dúvida acerca do que é realidade ou ilusão. O fato de Cobb por vezes não saber o que é real me remete diretamente a “Amnésia”, onde o protagonista perde sua identidade, a ponto de não se lembrar de alguém que acabou de conhecer e, portanto, não poder confiar em ninguém, não podendo igualmente construir qualquer tipo de relação sólida. Outro aspecto que aproxima os dois filmes é a culpa ostentada pelos protagonistas: Cobb sente-se (e é) responsável pelo suicídio da mulher, por ter-lhe plantado uma idéia que, nas palavras do próprio, cresceu dentro dela como um vírus (nada mais forte que uma idéia, quando realmente acolhida por uma mente, afirma o filme). Leonard, por sua vez, talvez seja culpado pela morte de sua esposa, ao dar-lhe doses excessivas de insulina, devido a seu esquecimento. Em “A origem”, o risco de não saber-se dormindo ou acordado existe para todos, por isso aconselha-se a arrumarem um totem, que ao ser avistado garantiria estarem despertos (confesso que não entendi bem essa idéia, pois por que diabos ele não poderia aparecer no sonho?). O totem de Cobb fora herdado de sua esposa: consiste num pequeno objeto que roda como um pião; tal objeto aparece dentro de um sonho, mas no filme diz-se que só no estado de vigília ele para de rodar (sabe-se lá o motivo!). A culpa de Cobb faz com que ele projete sua esposa nos sonhos em que tenta roubar informações e ela lá está para sabotar suas operações; no caso de encomenda especial de implantar uma idéia, a esposa também se faz presente, levando o contratante – que também estava dentro do sonho, para garantir ser cumprida a missão – a um quarto nível de sonho; Cobb vai busca-los e decide renunciar seu despertar, escolhendo ficar ao lado da mulher naquele sonho (algo que me lembrou a renúncia do esposo, aceitando ficar ao lado da mulher no inferno em “Amor além da vida”); o filme finda com Cobb diante do contratante, havendo o “pião” rodando na cena: a certa altura ele parece perder velocidade e estabilidade, mas o filme finda antes que possamos constatar se ele cai ou não, de modo que não é – no meu entender – respondido se aquilo se trata de um sonho ou da realidade (minhas interpretações iniciais acerca de “Amnésia” eram justamente a de que propositalmente não há solução para o enigma, ainda que na última vez que o assisti, tal tese tenha sido abalada).

Para findar a presente resenha, um esclarecimento de algo que talvez não haja ficado suficientemente claro: afinal, o filme é bom ou não? Depende. Se comparado a maioria dos filmes lançados nos últimos tempos (inclusive europeus), mas sobretudo em relação aos hollywoodianos, é certamente um bom filme. Mas se levarmos em conta o potencial de Nolan, bem como as potencialidades que um enredo centrado em sonhos fornece (“Morangos silvestres” de Bergman e alguns filmes de Buñuel, além do já citado “A hora do pesadelo” constituem bons exemplos), não me parece exagero considerar “A origem” como um desperdício de talento e de dinheiro.


Alberto Bezerra de Abreu, 11/09/2010


Ps, fica aqui a sugestão de uma interessante resenha sobre o filme:

http://quadradodosloucos.blogspot.com/2010/08/critica-origem-christopher-nolan-2010.html

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Alguém que escreve para viver, mas não vive para escrever; apaixonado pelas artes; misantropo humanista; intenso, efêmero e inconstante; sou aquele que pensa e que sente, que questiona e duvida, que escapa a si mesmo e aos outros. Sou o devir =)
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