sábado, 8 de maio de 2010

PostHeaderIcon Cine PE 2010 sábado: noite de Tony Ramos, Paulo José e Jorge Amado

Áurea

Geral

Homem-bomba

Quincas Berro d'água


A última noite da mostra competitiva do Cine Pe propiciou fortes emoções mesmo quando filmes não estavam sendo exibidos; trata-se da homenagem prestada ao ator Tony Ramos (aplaudido de pé), o qual se estendeu em seu discurso, mas com um carisma tal que não gerou incômodo. Durante a apresentação do longa “Quincas Berro d’Água”, Paulo José (seu ator principal, recentemente operado para amenizar os sintomas do mal de Parkinson) discursou brevemente e foi também aplaudido de pé. Dois momentos emocionantes, até porque o aplauso de pé é para poucos e em ambos os casos foi deveras merecido.
A exibição foi iniciada com “Áurea” (Zeca Ferreira, RJ), história de uma cantora da noite carioca que, mesmo com muitos anos de “estrada”, continua voltando para casa de kombi (apesar do grande talento, canta sempre para público reduzido e vive modestamente). Filme interessante, sobretudo quando mostra a cantora em ação ou ouvindo música em seu modesto apartamento, mas que, em minha opinião, não merecia o prêmio de melhor curta digital.
O curta seguinte foi “Família Vidal” (Diego Benevides, PB), que mostra o cotidiano de uma família circense residente no interior da Paraíba. As condições modestas do circo me chamaram muito atenção, bem como os depoimentos de uma de suas integrantes, sobre as reclamações do público (que se queixa do valor de 1$ cobrado – este sendo diminuído para 50 centavos em alguns lugares!) e a vantagem dum circo pequeno em relação a um grande: o clima intimista, que permite ao público, por exemplo, ouvir a piada do palhaço, o que não aconteceria num circo maior, ao menos para os que sentam ao fundo (lembrei-me do show do Iron Maiden em Recife ano passado onde aqueles que, como eu, não foram para área vip, tiveram de assistir ao show pelo telão, um ótimo exemplo de que coisas demasiado grandiosas acabam perdendo a magia). Heresias a parte, gostei mais deste curta que do famoso documentário “Os palhaços” (Fellini”); para mim, o mestre italiano acabou se perdendo nessa obra; a simplicidade do curta paraibano, por sua vez, me cativou levemente; a pretensão de sofisticação do longa de Fellini me cansou; só critico no curta a ausência de cenas dos artistas em ação (mas talvez isso tenha sido melhor...)
O terceiro curta foi “Geral” (Anna Azevedo, RJ), que mostra o comportamento de torcedores na extinta geral do Maracanã (as filmagens foram realizadas em 2005, quando tal espaço ainda existia); curiosamente, o que chamam de geral no estádio carioca é a parte de baixo da arquibancada, próxima do fosso, que dá ao torcedor uma visão no mesmo nível do campo (uma visão ruim, já que a visão melhor é a panorâmica, distante a acima do nível do campo), enquanto aqui Recife a geral é o chamado anel superior, no qual torcedores ficam expostos a sol e chuva. Realizado durante jogos do Flamengo e do Fluminense, o documentário mostra o fanatismo do torcedores, retratando alguns mais extravagantes, como um com máscara do pânico, outro vestido de padre, bem como aqueles mais exaltados. Intercalava tais momentos com cenas do estádio vazio e “causos” contados por alguns torcedores; filme interessante, contagiante, foi ovacionado pelo público mas, em que pese minha paixão pelo futebol, não ficou entre meus favoritos. Achei-o descritivo demais e gostaria de ver mais cenas do jogos, afinal fica um tanto sem sentido mostrar reações do público sem mostrar o que eles assistem.
A exibição de curtas prosseguiu com o estranho “Nego fugido” (Cláudio Marques; Marília Hughes Guerreiro, BA); mostrando a realização de uma rústica festa popular por parte de afro-descendentes e o estranhamento que ela causou em dois forasteiros que a foram observar como um laboratório para teatro, o filme cresce a partir do momento em que o rapaz se integra a festa, pintando seu rosto de preto (ele era branco) e sendo humilhado (tudo encenação, mas que assustou a garota que o acompanhava); a violência (verbal apenas) da interpretação do jagunço, bem como a troca de papéis (o negro como algoz, o branco como vítima) me soaram interessantes, mas o filme não deixa de causar certo estranhamento (mais pela forma do que por esta inversão de papéis), ou seja, mais um estranhamento estético do que social (e acredito não ter sido este o objetivo). Mas talvez eu o tenha interpretado de forma totalmente equivocada...
O curta seguinte foi “Um médico rural” (Cláudio G. Fernandes, PE); inspirado num conto de Kafka, o filme mostra um médico indo atender um paciente em local distante e simultaneamente, sua criada ser atacada por um homem; com pitadas de suspense, bela fotografia e trilha sonora envolvente, o filme deixa uma desagradável sensação de estar faltando algo. Acredito ser mais uma característica presente originalmente no conto (não sei o título mas sei que não li, pois não conheço contos do autor mas somente suas obras mais populares), e menos uma opção estilística do diretor. Em termos estéticos o filme é ótimo, mas em termos de enredo não agradou (inclusive a mim). Adaptar Kafka é um desafio e tanto, como provou a versão de “O processo” (1993, de David Jones); seu filme, apesar de muito fiel à obra homônima do escritor checo em que foi inspirada, passa a sensação de faltar algo, (como quando um músico executa perfeitamente uma música, mas sem alma). A célebre versão de Orson Welles para tal obra eu não assisti AINDA.
O último curta da XIV edição do Cine PE foi “Homem-bomba” (Tarcísio Lara Puiati, RJ), que mostra dois jovens garotos ajudantes do tráfico de drogas num morro carioca. Os diálogos entre eles são muito bem construídos, possuindo humor e profundidade simultaneamente, sem soar forçado (mostrar crianças numa quase divagação poderia ser arriscado em termos de verossimilhança), pois os garotos atuam com uma naturalidade notável. A cena de despedida é tocante e encerra a obra de maneira bastante apropriada. Os aplausos foram enfáticos.
O único longa da noite não participava da mostra competitiva: “Quincas Berro d’Água” (Sérgio Machado, RJ) é baseado na obra quase homônima (“A morte de Quincas Berro d’água”) de Jorge Amado. Conta a história do recentemente falecido Quincas que é levado por seus companheiros de farra para a derradeira comemoração (justamente no dia do seu aniversário!). Numa das célebres frases do longa, o defunto diz (sim, ele fala com espectador, mediante pensamento): “minha noite de defunto é mais animada que a de muito vivo”. Outra frase célebre é proferida por um de seus “comparsas” durante seu velório, para justificar a recitação duma poesia de qualidade duvidosa: “poesia ruim é melhor que bosta nenhuma”. Bastante divertido, o filme surpreendeu-me principalmente em sua seqüência inicial (que é também a final), a qual mostra o corpo de Quincas no mar, durante a noite, numa cena esteticamente belíssima que remete antes a um filme artístico do que a um filme mais acessível. As atuações são bastante convincentes e foi com grande satisfação que contemplei O desempenho de Paulo José (Quincas), o qual, apesar da doença, saiu-se muito bem em seu papel (convém salientar que ele já interpretara o personagem principal da obra “O triste fim de Policarpo Quaresma” do escritor Lima Barreto). “Quincas Berro d’água” me remeteu a três coisas: ao livro “Memórias póstumas da Brás Cubas” (Machado de Assis), pela narrativa de um defunto; ao filme “Um morto muito louco” e a um episódio do Chapolin Colorado (!) em que defuntos eram transportados de maneira a parecerem vivos.
Acredito que apesar da qualidade de alguns curtas como “Homem-bomba”, o grande destaque da noite foi o divertidíssimo longa “Quincas Berro d’água”, fechando com chave de ouro a última noite do Cine PE no Teatro Guararapes (no domingo se seu a premiação no Cinema São Luiz, com direito a exibição – fora de competição – do documentário “Continuação” de Rodrigo Pinto, sobre o músico pernambucano Lenine).

Alberto Bezerra de Abreu, maio 2010

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Alguém que escreve para viver, mas não vive para escrever; apaixonado pelas artes; misantropo humanista; intenso, efêmero e inconstante; sou aquele que pensa e que sente, que questiona e duvida, que escapa a si mesmo e aos outros. Sou o devir =)
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