sábado, 15 de janeiro de 2011

PostHeaderIcon Viajo porque preciso, volto porque te amo: estrada e solidão, saudade e reflexão









Além do título interessante, “Viajo porque preciso, volto porque te amo” possui outro atrativo de que me levou ao cinema: trata-se do fato de ser dirigido por Karim Aïnouz, responsável pelo ótimo “Madame Satã” e Marcelo Gomes, do excepcional “Cinema, aspirinas e urubus”. No entanto, é necessário dizer desde já que quem o assistir tendo em mente os filmes anteriores de seus diretores pode quebrar a cara. Trata-se de algo nitidamente diversos de ambos. E certamente menos palatável, ainda que não propriamente inferior.

O filme se inicia com a visão de uma estrada, assim como “Cinema, aspirinas e urubus”; só que se trata duma estrada asfaltada (uma BR) e a viagem se dá a noite, de modo que não conseguimos enxergar o horizonte mas apenas poucos metros a frente, até onde a luz do veículo ilumina. Mais a frente e a redor tudo é breu. Quando se mostra a estrada iluminada pela luz solar o cenário se assemelha ao daquele filme. A narrativa é lenta, simulando o percurso de uma viagem pelo agreste/ sertão nordestino; a monotonia se explicita também nas palavras do protagonista, falando consigo mesmo, ao afirmar que “a paisagem não muda”. Aliás, além do ritmo cadenciado, há uma outra peculiaridade no filme: o fato de que o protagonista (Irandhir Santos) jamais aparece: ouvimos apenas sua voz (em off). Momentos de silêncio prolongado e câmera fixa em alguma paisagem natural contribuem para tornar o filme (propositalmente) monótono. Definitivamente parece ter sido a intenção dos diretores fazer-nos sentir as coisas na pele do protagonista, até porque ao não aparecer, enxergamos as coisas através de seus olhos. Há ainda imagens desbotadas, desfocadas, remetendo à Glauber Rocha (o que já se dera no início de “Cinema, aspirinas...” com sua luz estourada.

O enredo é bastante simples: geólogo dirige um caminhão, fazendo monitoramento de lugares por onde futuramente passará um canal (provavelmente trata-se da transposição do Rio São Francisco, mas isso não é mencionado em momento algum), passando por diversas cidades do interior nordestino. Durante todo seu percurso lamenta a saudade de sua galega. O filme beira o documental: vemos um casal de idosos que terão a casa desapropriada para construção do canal; pedintes na estrada; prostitutas; paisagem rural e urbana. Após certa altura, revela-se uma reviravolta na motivação do personagem, que modifica o título da obra, afirmando para si mesmo: “Viajo porque preciso, não volto porque ainda te amo”.

Trata-se sem dúvida de um filme não convencional e um tanto hermético; seu final abrupto parece não esclarecer nada. Só consegui enxerga-lo como uma alegoria na qual o mergulho no mar, saltando de pedras altas corresponderia a um mergulho profundo e arriscado na vida. Como um recomeço ou purificação.

Absolutamente desaconselhável para quem procura puro entretenimento.


Alberto Bezerra de Abreu julho/agosto de 2010


segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

PostHeaderIcon Melhores filmes de 2010: primeira lista

Educação
O profeta
Mother - a busca pela verdade
O segredo dos seus olhos
Como treinar seu dragão
A fita branca
Mary & Max: uma amizade diferente
Vincere



Antes de postar sobre o festival “Retrospectiva 2010, expectativa 2011”, realizado no final de 2010 na Fundaj, bem como minha lista pessoal de destaques cinematográficos do presente ano, esquentarei o terreno com a lista dos 10 melhores DVD's de 2010, segundo a revista Veja (esclareço que alguns ainda não foram lançados – mas a previsão é que o sejam no início do ano – e que nem todos são filmes, mas há também seriados, os quais serão aqui apenas mencionados, mas não comentados).

Um deles é “Educação” (Reino Unido, 2009, de Lone Scherfig, exibido por aqui na sessão de arte do multiplex Boa Vista); trata-se da história de uma jovem de 17 anos que, na Inglaterra, no início da década de 1960, que busca ingressar na vida adulta e por isso (ou será para isso?) se envolve com um rapaz mais velho (não assisti o filme, mas aparentemente a revolução sexual e comportamental não se iniciara, ou, ao menos, não atingira ainda seu ápice). Dois aspectos mencionados pela reportagem me pareceram particularmente interessantes: a afirmação de que os limites comportamentais das mulheres na época (limites estes testados e desafiados pela protagonista) se devem menos a moral e mais a sua condição financeira (recentemente assisti “Coco Chanel & Igor Stravinsky” e de fato a independência de Chanel se assenta em sua condição financeira privilegiada – conquistada por seu mérito, e não por herança, cabe frisar), bem como a afirmação de que poucas vezes a bandeira do feminismo fora levantada com tamanha sutileza e pertinácia.

Outro foi “O profeta” (França, 2009, de Jacques Audiard, exibido por aqui no festival Varilux do cinema francês, na Fundaj); se não estou enganado, quando fiquei sabendo da programação do festival por aqui não lembrava ter lido uma resenha positiva do filme nesta mesma revista; o mote daquele escrito é o mesmo da pequena indicação presente na Veja: ao ser preso, homem se filia a uma das facções do presídio e com isso se descobre, se afirma e prospera; seu progresso consiste então em tornar-se um profissional do crime.

Já “Mother – a busca pela verdade” (Coreia do Sul, 2009, de Joo-ho Bong) é um filme do qual não tinha ouvido falar (ao menos até onde lembro); segundo a breve resenha, trata-se da história de uma mãe que tenta defender o filho “intelectualmente atrasado” duma acusação de assassinato pautada em evidências inconclusivas, sendo a questão principal do longa (questão essa deveras interessante) a problematização do amor ilimitado, passível de transformar-se numa monstruosidade (me remeteu de leve ao filme também coreano “Poesia”).

Vencedor do Oscar 2010 de melhor filme estrangeiro, “O segredo dos seus olhos” (Argentina, Espanha, 2009, de Juan José Campanella), o filme argentino frequentou várias listas de “melhores de 2010” (farei outra postagem sobre o tema), e, constituindo um mistério policial que revisita uma ferida ainda aberta (no Brasil, a hipócrita anistia é pouco contestada), a ditadura militar da década de 1970 daquele país. O texto da revista é vago, e parece sugerir o filme mais pelo seu êxito, somado ao fato de constituir um representante de um vigor crescente do cinema argentino. Está na minha lista.

Outro do qual eu nunca ouvira falar, “Como treinar seu dragão” (EUA, 2010, de Dean DeBlois, Chris Sanders) é uma animação que cumpre todos os requisitos do gênero: personagens bem construídos, humor, ação, aventura e uso competente do 3D (posteriormente, algo me chamou atenção: na lista de vários críticos apareceu uma outra animação digital – bem mais famosa – mas não essa: “Toy story 3”; talvez o fato de terem optado por “Como treinar seu dragão”, somando-se a isso o fato de terem selecionado uma outra animação, “Mary e Max”, sendo esta não digital, tenha pesado para que esta lista de Veja tenha prescindido de “Toy story 3” que, de outra forma, certamente a integraria, até porque lembro-me bem que obra mereceu um número maior de página que a média, tendo sido bastante elogiado pela revista quando sua resenha foi nela publicada).

O filme “A fita branca” (Alemanha/ Áustria/ França/ Itália, 2009, de Michael Haneke, exibido por aqui no início do ano, no cinema da Fundação) foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro deste ano, que acabou ficando com o acima citado “O segredo dos seus olhos”; tive a oportunidade de assisti-lo e confesso que meu deleite pela belíssima fotografia em preto-e-branco foi proporcional a meu enfado com o enredo, mas tendo em vista não só a indicação a prêmios, mas comentários positivos outros, bem como o fato de tratar-se duma espécie de gênese distante do nazismo (eu não o percebi, de modo que devo tê-lo assistido muito dispersamente) fizeram-me ter grande curiosidade em revê-lo, desta vez com mais calma e sem elementos que me distraiam por perto. O fato é que, além de belo, o filme é profundo e conta com excelentes atuações; o problema é que me deixou entediado. Pretendo ainda em 2011 resenha-lo (a previsão é que seja lançado em DVD ainda em janeiro).

Outro dos filmes indicados na lista que tive oportunidade de assistir no cinema (mais uma vez a Fundaj),“Mary e Max” (Austrália, 2009, de Adam Eliot) é uma animação tradicional, valendo-se de bonecos de massa; estes, no entanto, são deveras expressivos, não só na construção de suas respectivas personalidades, mas também em suas fisionomias, retratadas com uma competência hipnotizante. Longe de ser uma obra voltada exclusivamente para o público infantil, parece-me inclusive ser uma obra para adultos que talvez possa agradar a algumas crianças. O tom depressivo é constante, mas a mensagem de amizade e de esperança tornam as coisas mais leves, sobretudo no final. (Obs. Resenhei este filme em julho de 2010).

Definido com uma espécie sopro renovador de vida num cinema aparentemente esgotado tematicamente (o italiano), “Vincere” (Itália/ França, 2009, de Marcelo Bellocchio) narra a história (real) de como o ditador fascistas Benito Mussolini se esforçou para apagar de sua biografia a existência de uma amante, bem como do filho que teve com ela. A ênfase que a indicação da revista dá a relação de um povo com sua história (bem como com as tentativas de falsifica-la), me remetem diretamente ao neo-realismo italiano, cinema de cunho eminentemente social do imediato pós Segunda Guerra; em certo sentido, este filme parece resgatar tal perspectiva, ainda que provavelmente deixando de lado a crítica da miséria e das desigualdades sociais enfocadas por aquele movimento (pois se o fizesse, certamente a Veja não o indicaria, considerando-o um fóssil esquerdista, dada a vertente nitidamente direitista da revista).

Completando a lista, foram indicados dois seriados “Glee” e “Sons of anarchy”, dos quais não me cabe falar aqui. Em breve, exporei e tecerei minhas considerações sobre as listas dos melhores filmes do ano na opinião de 9 críticos de cinema. Adianto que minhas discordâncias não são poucas.

As imagens estão na mesma ordem que os comentários sobre os filmes: a de cima corresponde a “Educação”, a de baixo a “Vincere” e assim sucessivamente. Bom fim/ início de ano a todos!


Alberto Bezerra de Abreu, dezembro de 2010.


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Alguém que escreve para viver, mas não vive para escrever; apaixonado pelas artes; misantropo humanista; intenso, efêmero e inconstante; sou aquele que pensa e que sente, que questiona e duvida, que escapa a si mesmo e aos outros. Sou o devir =)
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