quarta-feira, 5 de maio de 2010
Cine PE 2010 quinta-feira: brega, azul e garotada
22:56 |
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Miradouro Cinematográfico |
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Do morro
Após perder a exibição de filmes na segunda e na quarta (e ir na terça), retorno ao Cine PE na quinta-feira, noite recheada de curtas pernambucanos e contando com apenas um longa. Desta vez cheguei mais tarde (havia tido aula – justamente de lógica, ah infortúnio!) a tarde, e logo pude perceber que o público seria maior (de fato o Teatro Guararapes lotou e não foram poucas as pessoas quem sentaram nos degraus, como sempre acontece nos dias mais concorridos). Na fileira a minha frente sentaram, a minha esquerda Jomard Muniz de Britto e a minha direita Alexandre Figueirôa, dois importantes nomes da cultura pernambucana e após algum tempo me dei conta que apesar de não os ter cumprimentado (estavam entre amigos), eu não só sabia quem eles eram, mas já tivera a oportunidade de trocar breves palavras com ambos anos atrás.
Não foram poucas as menções feitas na hora das apresentações dos responsáveis por cada um dos filmes exibidos (alguns representados por apenas uma pessoa, outros por equipes, algumas menores, outras maiores) de que tal festival é o maior do país em termos de público, o que é um orgulho para os organizadores e para o público (na verdade, durante todo o festival, boa parte – a maioria, acredito eu – dos realizadores repetiu esta fala).
A noite foi aberta com o curta “Do morro?”(Mykaela Plotkin; Rafael Montenegro, PE), que trás como personagem o músico (!?!) João do morro. Além de cenas deste em ação (cantando) e falando (em entrevistas específicas para o documentário), a obra conta com a participação de figuras destacadas da cena musical recifense (sejam músicos, produtores, etc.). Lula Queiroga e outros defendem a perspectiva de João do moro como cronista da periferia, alguém que escreve sobre o cotidiano da comunidade, sobre o que realmente acontece; China refuta tal visão, definindo-o como um cara que escreve coisas divertidas, e afirmando que essa história de cronista é tentativa de rotulação e enquadramento por parte da classe média; Roger de Renor afirma ser bom que quando João do moro vai tocar na zona sul e cobra caro; houve ainda um cara (do site Recife rock se não me engano) que disse que a classe média atualmente só escuta porcaria (citou Ivete Sangalo, Kalypso, entre outros que não recordo). Tratou-se também da polêmica acerca da música “papa frango” (!), tendo o representante de algum grupo gay dado entrevista considerando a música ofensiva e pedindo sua não vinculação em rádios, não comercialização e não execução em shows. Em que pese a vulgaridade da letra, a idéia de censura me cheira muito mal. Penso que melhor seria investir em conscientização (não sei se vocês pararam para pensar que atualmente o preconceito racial é mais condenado que o sexual, pois é comum vermos musicas pejorativas em relação a homossexuais ou mulheres, mas não em relação a “pretos” ou “amarelos”, por exemplo). Foi interessante notar que apesar do discurso pró-brega do realizador de uns dos filmes (foram dois com esta temática na noite de quinta) e da calorosa aclamação do público a ambos os curtas, não só em seu término, mas mesmo antes de começarem, muitas pessoas aplaudiram as críticas presentes a João do moro apresentadas neste primeiro filme, considerando suas letras grosseiras, ofensivas e mesmo baixas. Pessoalmente achei o filme interessantíssimo (até porque não deixa de apresentar visões contrárias ao “músico”), mas considero sua “música” um lixo. Deveras repetitiva e simples instrumentalmente, vulgar, apelativa e fútil em suas letras. Eis então um questionamento final: de fato, não deixa de ser interessante um músico falar do cotidiano onde vive e, acima de tudo, usando a língua do povo (e ai esta o motivo do sucesso de tal “artista”, penso eu: o uso da linguagem chula tão apreciada pela ralé); porém, não é papel da arte criar o novo ao invés de apenas reproduzir o existente? E se for para descrever o que é, e não o que deveria ser, acredito que a crítica social é muito mais saudável. Assumo aqui uma postura elitista conscientemente, pois para mim o popular não precisa ser vulgar, rasteiro e apelativo (vide Cartola).
O segundo curta foi “Ensaio de cinema” (Allan Ribeiro, RJ), que mostra o cotidiano de dois gays num pequeno apartamento; um costura, o outro cozinha. A certa altura, simulam a gravação de um filme, com menções a “Dança dos vampiros” (Polanski), “Profissão repórter” Antonioni e talvez mais algum que não lembro. A forma como um deles junta as mãos, simulando a lente da câmera e descreve os processos desta (recuo, travelling com lenta aproximação, etc.) mostra uma interessante entrega àquele exercício abstrato. Depois deste ensaio, ambos conversam sobre célebres filmes brasileiros. Dentre os citados, lembro dos seguintes: “Vidas secas”, “Macunaíma”, “A dama do lotação” e algum adaptado da obra de Jorge Amado (não lembro se Dona Flor ou Gabriela). Pessoalmente, me interessei mais por tais menções cinematográficas (que, aliás, podem servir de indicação para futuras resenhas deste blog!) do que propriamente pelo filme.
O filme seguinte foi “A montanha mágica” (Petrus Cariry, CE), belíssimo em ângulos de câmera (que sobe, dá close, visão panorâmica, entre outros recursos); belíssima fotografia, como quando se mostra o parque e em especial a roda gigante durante a aurora; há muitos trechos sem fala, o que torna o filme lento, difícil, cansativo até; as partes faladas esclarecem o sentido da obra: nostalgia, como quando o narrador fala que nada na rua onde morou havia mudado e que ainda consegue sentir (lembrar) do cheiro da gráfica que funcionava ao lado da casa onde morava. A montanha mágica do título é a forma como o personagem principal (que não aparece e narra em off) chamava a roda gigante. Os diversos ângulos de câmera, mostrando diversas partes do parque, sempre vazio (indicando o declínio de sua existência) me remeteu a pelo menos duas idas minha a parque de diversões (parque de rua, fique claro); a primeira eu mal recordo; a segunda se deu num parque montado onde hoje é o estacionamento do Chevrolett Hall (parte da frente, que dá para a Avenida Agamenon Magalhães), muitos anos antes de tal casa de shows ser construída. Não deixou de causar nostalgia em mim também, que assim me identifiquei um pouco com o narrador.
A noite prosseguiu com “Circuito interno” (Júlio Martí, SP), que denuncia a exploração de trabalhadores bolivianos em confecções clandestinas no Brasil. Uma cena recorrente mostra uma TV com tela dividida filmando 4 cômodos simultaneamente (inclusive o banheiro!), demonstrando viverem os trabalhadores em regime de prisão domiciliar (tanto é assim que um dos trabalhadores pede autorização ao patrão para sair e levar um garoto para sem batizado). Há ainda duas cenas (complementares) que merecem destaque: a que um contratante pede uma certa quantidade que camisas (20 mil, se não me engano) para sexta-feira; o dono da fábrica após dizer que não poderia faze-lo em tão pouco tempo, afirma que lhe abrirá uma exceção, mas que o preço será 5$ por peça, ao que o contratante retruca ser muito caro, pois paga caro pelo selo de originalidade (!), e que se fosse por esse preço, procuraria brasileiros, de modo que ameaça denunciar a confecção clandestina. Na cena seguinte vemos os trabalhadores costurando camisas verdes (trata-se justamente da camisa da seleção brasileira, mas não a amarela). Na saída para o batismo, o homem e o menino vêem a camisa a venda na vitrine de uma loja por um preço várias vezes mais caro que o de produção (49$ se não me engano). Nos créditos, o filme esclarece que a exploração aos bolivianos em confecções de roupas brasileiras chega a 15h de trabalho diária destes. Destaco que o filme não poderia ser exibido em momento mais oportuno (as vésperas de uma copa do mundo – chega a ser cômico que no festival tenha sido realizado diariamente um sorteio de camisas da seleção brasileira distribuídas pela TAM, uma das patrocinadoras do evento).
O próximo curta foi “Faço de mim o que quero” (Sérgio Oliveira; Petrônio Lorena, PE), outro sobre o brega, mas não especificamente sobre João do morro, mostrando Kelvis Duran, Conde entre outros, além de muitas pessoas comuns. Ao contrário do primeiro curta, este não se vale de entrevistas, apostando numa descrição de shows, vinculação de músicas na rádio, etc. Considero “Do morro?” superior (mais bem feito, mais crítico e diversificado), mas foi “Faço de mim o que quero” não deixa de ser interessante e foi tão aplaudido quanto seu companheiro de temática. Acredito que nenhum dos dois fez apologia do brega, no sentido de afirmar que seja bom, mas ambos valorizaram tal “música” como uma legítima manifestação cultural da periferia (que inclusive invade a classe média, como o primeiro filme deixou claro). Cabe salientar (a respeito da já mencionada polemica sobre a música “papa frango”, que num dos shows mostrado no primeiro curta aparecem alguns homossexuais dançando alegremente ao som da música que lhes seria pejorativa).
Finalizando os curtas, tivemos “Azul” (Eric Laurence, PE), baseado no conto “Uma doce maneira de ir morrendo” de Luzilá Gonçalves. Contando com temática da espera e da solidão e belíssima fotografia, o filme abusa do uso da cor que lhe dá nome: roupa, toalha da mesa, sapatos, parede da casa, fita no cabelo, papel da carta, tudo é azul; a forma como se utiliza a iluminação faz com que tudo na casa pareça ser azul; o horizonte retratado lindamente nas cenas exteriores da casa é de um azul que parece irá nos engolir; até mesmo a parte inferior/ central da chama das velas é azul (lembrando a chama de um fogão). O cágado que passeia pela casa em diversos momentos constitui um sutil elemento cômico. O trecho final da sinopse, ao afirmar a “necessidade de criar fantasias para suportar a solidão” dá margem para o questionamento de se a visita do filho realmente aconteceu (ao menos eu penso assim) e o fato de o filme não seguir uma linearidade cronológica torna seu enredo mais interessante e ocasiona a necessidade de que o assistamos novamente para compreendê-lo melhor. Belíssimo na forma, desafiador no conteúdo.
O único longa da noite certamente foi um dos filmes mais esperados de todo o festival; “As melhores coisas do mundo” (Laís Bodanzky, SP). A cineasta, ao apresentar sua obra, esclareceu ser ela seu quarto longa-metragem, tendo todos eles passado pelo Cine PE (entre eles o premiado “Bicho de sete cabeças” em 2001 ). “As melhores coisas do mundo” é um filme convencional, comercial e nem por isso ruim; é muito bem feito e apesar dos clichês, funciona. Conta a história de um adolescente, mostrando as dificuldades e os prazeres pelos quais ele passa, como a separação dos pais, a insegurança acerca de seus sentimentos, a primeira relação sexual... Merece destaque a temática do preconceito, mostrando que a distância entre vítima e algoz por vezes é ínfima ou mesmo inexistente. O filme estreará em breve no circuito comercial e merecerá uma resenha a parte.
Meus favoritos da noite foram o grande vencedor da X1V edição do Cine PE “As melhores coisas do mundo” e o lindo e subestimado “Azul” (se não me engano não ganhou nenhum prêmio).
Alberto Bezerra de Abreu, abril/maio de 2010
Não foram poucas as menções feitas na hora das apresentações dos responsáveis por cada um dos filmes exibidos (alguns representados por apenas uma pessoa, outros por equipes, algumas menores, outras maiores) de que tal festival é o maior do país em termos de público, o que é um orgulho para os organizadores e para o público (na verdade, durante todo o festival, boa parte – a maioria, acredito eu – dos realizadores repetiu esta fala).
A noite foi aberta com o curta “Do morro?”(Mykaela Plotkin; Rafael Montenegro, PE), que trás como personagem o músico (!?!) João do morro. Além de cenas deste em ação (cantando) e falando (em entrevistas específicas para o documentário), a obra conta com a participação de figuras destacadas da cena musical recifense (sejam músicos, produtores, etc.). Lula Queiroga e outros defendem a perspectiva de João do moro como cronista da periferia, alguém que escreve sobre o cotidiano da comunidade, sobre o que realmente acontece; China refuta tal visão, definindo-o como um cara que escreve coisas divertidas, e afirmando que essa história de cronista é tentativa de rotulação e enquadramento por parte da classe média; Roger de Renor afirma ser bom que quando João do moro vai tocar na zona sul e cobra caro; houve ainda um cara (do site Recife rock se não me engano) que disse que a classe média atualmente só escuta porcaria (citou Ivete Sangalo, Kalypso, entre outros que não recordo). Tratou-se também da polêmica acerca da música “papa frango” (!), tendo o representante de algum grupo gay dado entrevista considerando a música ofensiva e pedindo sua não vinculação em rádios, não comercialização e não execução em shows. Em que pese a vulgaridade da letra, a idéia de censura me cheira muito mal. Penso que melhor seria investir em conscientização (não sei se vocês pararam para pensar que atualmente o preconceito racial é mais condenado que o sexual, pois é comum vermos musicas pejorativas em relação a homossexuais ou mulheres, mas não em relação a “pretos” ou “amarelos”, por exemplo). Foi interessante notar que apesar do discurso pró-brega do realizador de uns dos filmes (foram dois com esta temática na noite de quinta) e da calorosa aclamação do público a ambos os curtas, não só em seu término, mas mesmo antes de começarem, muitas pessoas aplaudiram as críticas presentes a João do moro apresentadas neste primeiro filme, considerando suas letras grosseiras, ofensivas e mesmo baixas. Pessoalmente achei o filme interessantíssimo (até porque não deixa de apresentar visões contrárias ao “músico”), mas considero sua “música” um lixo. Deveras repetitiva e simples instrumentalmente, vulgar, apelativa e fútil em suas letras. Eis então um questionamento final: de fato, não deixa de ser interessante um músico falar do cotidiano onde vive e, acima de tudo, usando a língua do povo (e ai esta o motivo do sucesso de tal “artista”, penso eu: o uso da linguagem chula tão apreciada pela ralé); porém, não é papel da arte criar o novo ao invés de apenas reproduzir o existente? E se for para descrever o que é, e não o que deveria ser, acredito que a crítica social é muito mais saudável. Assumo aqui uma postura elitista conscientemente, pois para mim o popular não precisa ser vulgar, rasteiro e apelativo (vide Cartola).
O segundo curta foi “Ensaio de cinema” (Allan Ribeiro, RJ), que mostra o cotidiano de dois gays num pequeno apartamento; um costura, o outro cozinha. A certa altura, simulam a gravação de um filme, com menções a “Dança dos vampiros” (Polanski), “Profissão repórter” Antonioni e talvez mais algum que não lembro. A forma como um deles junta as mãos, simulando a lente da câmera e descreve os processos desta (recuo, travelling com lenta aproximação, etc.) mostra uma interessante entrega àquele exercício abstrato. Depois deste ensaio, ambos conversam sobre célebres filmes brasileiros. Dentre os citados, lembro dos seguintes: “Vidas secas”, “Macunaíma”, “A dama do lotação” e algum adaptado da obra de Jorge Amado (não lembro se Dona Flor ou Gabriela). Pessoalmente, me interessei mais por tais menções cinematográficas (que, aliás, podem servir de indicação para futuras resenhas deste blog!) do que propriamente pelo filme.
O filme seguinte foi “A montanha mágica” (Petrus Cariry, CE), belíssimo em ângulos de câmera (que sobe, dá close, visão panorâmica, entre outros recursos); belíssima fotografia, como quando se mostra o parque e em especial a roda gigante durante a aurora; há muitos trechos sem fala, o que torna o filme lento, difícil, cansativo até; as partes faladas esclarecem o sentido da obra: nostalgia, como quando o narrador fala que nada na rua onde morou havia mudado e que ainda consegue sentir (lembrar) do cheiro da gráfica que funcionava ao lado da casa onde morava. A montanha mágica do título é a forma como o personagem principal (que não aparece e narra em off) chamava a roda gigante. Os diversos ângulos de câmera, mostrando diversas partes do parque, sempre vazio (indicando o declínio de sua existência) me remeteu a pelo menos duas idas minha a parque de diversões (parque de rua, fique claro); a primeira eu mal recordo; a segunda se deu num parque montado onde hoje é o estacionamento do Chevrolett Hall (parte da frente, que dá para a Avenida Agamenon Magalhães), muitos anos antes de tal casa de shows ser construída. Não deixou de causar nostalgia em mim também, que assim me identifiquei um pouco com o narrador.
A noite prosseguiu com “Circuito interno” (Júlio Martí, SP), que denuncia a exploração de trabalhadores bolivianos em confecções clandestinas no Brasil. Uma cena recorrente mostra uma TV com tela dividida filmando 4 cômodos simultaneamente (inclusive o banheiro!), demonstrando viverem os trabalhadores em regime de prisão domiciliar (tanto é assim que um dos trabalhadores pede autorização ao patrão para sair e levar um garoto para sem batizado). Há ainda duas cenas (complementares) que merecem destaque: a que um contratante pede uma certa quantidade que camisas (20 mil, se não me engano) para sexta-feira; o dono da fábrica após dizer que não poderia faze-lo em tão pouco tempo, afirma que lhe abrirá uma exceção, mas que o preço será 5$ por peça, ao que o contratante retruca ser muito caro, pois paga caro pelo selo de originalidade (!), e que se fosse por esse preço, procuraria brasileiros, de modo que ameaça denunciar a confecção clandestina. Na cena seguinte vemos os trabalhadores costurando camisas verdes (trata-se justamente da camisa da seleção brasileira, mas não a amarela). Na saída para o batismo, o homem e o menino vêem a camisa a venda na vitrine de uma loja por um preço várias vezes mais caro que o de produção (49$ se não me engano). Nos créditos, o filme esclarece que a exploração aos bolivianos em confecções de roupas brasileiras chega a 15h de trabalho diária destes. Destaco que o filme não poderia ser exibido em momento mais oportuno (as vésperas de uma copa do mundo – chega a ser cômico que no festival tenha sido realizado diariamente um sorteio de camisas da seleção brasileira distribuídas pela TAM, uma das patrocinadoras do evento).
O próximo curta foi “Faço de mim o que quero” (Sérgio Oliveira; Petrônio Lorena, PE), outro sobre o brega, mas não especificamente sobre João do morro, mostrando Kelvis Duran, Conde entre outros, além de muitas pessoas comuns. Ao contrário do primeiro curta, este não se vale de entrevistas, apostando numa descrição de shows, vinculação de músicas na rádio, etc. Considero “Do morro?” superior (mais bem feito, mais crítico e diversificado), mas foi “Faço de mim o que quero” não deixa de ser interessante e foi tão aplaudido quanto seu companheiro de temática. Acredito que nenhum dos dois fez apologia do brega, no sentido de afirmar que seja bom, mas ambos valorizaram tal “música” como uma legítima manifestação cultural da periferia (que inclusive invade a classe média, como o primeiro filme deixou claro). Cabe salientar (a respeito da já mencionada polemica sobre a música “papa frango”, que num dos shows mostrado no primeiro curta aparecem alguns homossexuais dançando alegremente ao som da música que lhes seria pejorativa).
Finalizando os curtas, tivemos “Azul” (Eric Laurence, PE), baseado no conto “Uma doce maneira de ir morrendo” de Luzilá Gonçalves. Contando com temática da espera e da solidão e belíssima fotografia, o filme abusa do uso da cor que lhe dá nome: roupa, toalha da mesa, sapatos, parede da casa, fita no cabelo, papel da carta, tudo é azul; a forma como se utiliza a iluminação faz com que tudo na casa pareça ser azul; o horizonte retratado lindamente nas cenas exteriores da casa é de um azul que parece irá nos engolir; até mesmo a parte inferior/ central da chama das velas é azul (lembrando a chama de um fogão). O cágado que passeia pela casa em diversos momentos constitui um sutil elemento cômico. O trecho final da sinopse, ao afirmar a “necessidade de criar fantasias para suportar a solidão” dá margem para o questionamento de se a visita do filho realmente aconteceu (ao menos eu penso assim) e o fato de o filme não seguir uma linearidade cronológica torna seu enredo mais interessante e ocasiona a necessidade de que o assistamos novamente para compreendê-lo melhor. Belíssimo na forma, desafiador no conteúdo.
O único longa da noite certamente foi um dos filmes mais esperados de todo o festival; “As melhores coisas do mundo” (Laís Bodanzky, SP). A cineasta, ao apresentar sua obra, esclareceu ser ela seu quarto longa-metragem, tendo todos eles passado pelo Cine PE (entre eles o premiado “Bicho de sete cabeças” em 2001 ). “As melhores coisas do mundo” é um filme convencional, comercial e nem por isso ruim; é muito bem feito e apesar dos clichês, funciona. Conta a história de um adolescente, mostrando as dificuldades e os prazeres pelos quais ele passa, como a separação dos pais, a insegurança acerca de seus sentimentos, a primeira relação sexual... Merece destaque a temática do preconceito, mostrando que a distância entre vítima e algoz por vezes é ínfima ou mesmo inexistente. O filme estreará em breve no circuito comercial e merecerá uma resenha a parte.
Meus favoritos da noite foram o grande vencedor da X1V edição do Cine PE “As melhores coisas do mundo” e o lindo e subestimado “Azul” (se não me engano não ganhou nenhum prêmio).
Alberto Bezerra de Abreu, abril/maio de 2010
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About Me
- Miradouro Cinematográfico
- Alguém que escreve para viver, mas não vive para escrever; apaixonado pelas artes; misantropo humanista; intenso, efêmero e inconstante; sou aquele que pensa e que sente, que questiona e duvida, que escapa a si mesmo e aos outros. Sou o devir =)
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10 comentários:
Caro Alberto,
Primeiramente, parabéns pelo blog - está muito bonito e repleto de bons textos.
Como tinha te dito, não fui uma vez sequer ao Cine PE deste ano, mas li, provavelmente no Diario de Pernambuco, que o crítico musical que afirmou sobre o mau gosto atávico da classe média atual, no filme Do Morro, foi o saudavelmente desbocado José Teles, do Jornal do Commércio. Lembro-me da infância nos fins dos 80 com minhas primas e irmãs escutando a então nascente axé music, e estranhava. Afinal, apenas em rádios populares(AM)aquele tipo de "música" era veiculado, juntamente a antigos boleros e às músicas do romantismo cafona de Odair José e de Fernando Mendes (deste eu gosto muito, eheheh!)
Como graduados em história, a palavra censura desperta na gente "os instintos mais primitivos" (parafraseando o Roberto Jefferson, do PTB-RJ, na CPMI do mensalão, em 2005, na acareação com José Dirceu - o Zeca Diabo). Devemos pensar que existe lixo cultural e LIXO cultural, não é? Uma coisa é jogar no chão uma gimba de cigarro, outra é um "mói" de césio 137, lixo radioativo. Creio que "músicas" como Papa Frango prestam um grande desserviço à sociedade e deveriam ser podadas no nascedouro -longe de mim defender os homossexuais, eu os tolero, mas acho um despropósito aquela postura de alguns gays de ficarem se beijando em público exageradamente e por aí.
A sociedade vai passando por algumas transformações que nem sempre são para a direção correta. Digo isso pois já ouvi um funk gravado no celular de um aluno de escola pública que consistia num traficante/ sequestrador, falando ao telefone e dizendo para o pai da vítima "entregar us maloti (sic)" em tal lugar e com tal quantia "e que se tivesse sentindo muita saudade, nós podi (sic) enviar um pedaço da orelha dele". Para essa música - provavelmente composta nos morros cariocas - ter chegado ao celular de um meu aluno, é signo de que o esquema foi oficializado. Não acredito numa sociedade onde tudo pode. Estará fadada à implosão. Mais dia , menos dia. Censura neles!!!
Primeiramente, obrigado pelos elogios.
Segundamente, permita-me discordar de seu posicionamento. Tenho alergia à censura (o que não significa defender que "tudo pode", afinal, mesmo o anarquismo - em seu sentido não vulgar - não prega este tipo de coisa). De modo que, a meu ver, o melhor caminho é tentar resolver os impasses por outra via. Qual o melhor? Educação. Conscientização. Reflexão. Palavras bonitas que, infelizmente, costumam se restringir aos livros e aos discursos. No entanto, acredito no poder delas; o que falta, penso eu, é vontade política, e não me refiro apenas aos parasitas partidários, mas a população como um todo. Até poderia concordar com a não vinculação deste (concordo contigo) lixo cultural em rádios e Tv's, mas acho que (por mais desprezível que isso seja), as pessoas que se interessam por este tipo de coisa devem ter sim o direito de usufruir dele em shows, por exemplo. ALgo bem diferente de ser vinculado em meios de comunicação de massa, pois acaba influenciando crianças e ai já viu o estrago.
Em suma, sou favorável a um conseso crítico, que, convenhamos, é dificílimo, estou ciente. Poém, censurar isso abre predecente para censurar aquilo e sabe-se lá onde vamos parar! (É bem possível prever...)
“Who let the dogs out?/ Hu-hu-hu-hu-hu”
Toma um claritin que a alergia passa! Não há vontade política no mundo que suplante a vontade de ganhar dinheiro. Aí a educação, reflexão e conscientização são apenas palavras bonitas (porém inócuas).
Vivemos 21 anos de ditabranda (dura, mesmo, foi na Argentina, no Chile – com a “Caravana da Morte” de Pinochet ou a Triple A – Alianza Anticomunista Argentina: corpúsculos estatais que não chegavam perguntando, atiravam logo de cara em qualquer possível dissidente filo-comunista). O que fizemos ao reconquistar nossa “liberdade”?
Os sábios latinos tinham na expressão de gustibus el coloribus... uma forma de acusar a impossibilidade de se promover um consenso ideal acerca do gosto – e até das cores – seria uma sorte de “gosto não se discute”. Para mim, Radiohead e @ville são bandas com senso estético elevado, ao contrário do Deep Purple e Black Sabath. Mas isso é pessoal. Se fôssemos censurar qualquer coisa apenas baseado na estética pouco ou nada passaria: inclusive as letras da banda @ville, porque bem fraquinhas.
Numa sociedade como a brasileira de hoje, vitimada com assassinatos em escala industrial –considera-se mais perigoso viver numa Recife ou Vitória do Espírito Santo, ou mesmo o Rio de Janeiro, do que em Bagdá – músicas que estimulem o seqüestro, a tortura, a homofobia devem ser, insisto, censuradas, podadas, abortadas no ventre do criador. Urge que os artistas deste país edifiquem algo valoroso: depois é que pode vir a destruição. Não o contrário.
Não acredito em consenso ideal (o termo é seu), absoluto, unánime, mas me parece a melhor opção no sentido de nos aproximarmos de um ideal.
Ora, se palavras como educação, reflexão e conscientização são inócuas então como se justifica seu posicionamento? OU se tratam de palavras inócuas apenas quando aplicadas ao "povão" mas não a uns poucos "esclarecidos". Tenho minhas pontas de elitismo, mas não tanto assim.
Quanto a questão da apologia a crimes, acredito ser antes consequência do que causa (ainda que não conteste a existência do movimento inverso).
ACredito que o "antídoto" p/ esse lixo cultural seja apresentar coisas de melhor qualidade, mas, evidentemente, não se trata apenas de apresentar mas de empreender todo um movimento de valorização afinal, entre "Papa frango" e as "bachianas brasileiras", ambas apresentadas de maneira descontextualizada, a maioria (creio), preferiria a primeira.
Otimismo e idealismo em doses moderadas são bons as vezes. =)
Alberto,
Creio que leu mal minha réplica. Não partiu de minha boca a ideia do consenso, mas dos sábios romanos, absortos com a impossibilidade de se acordar sobre o bom/mau gosto, sobre as cores – o quê para você parece branco-fúcsia para mim seria branco-ovo etc.
As palavras educação, reflexão e conscientização são inócuas diante da palavra DINHEIRO, mola-mestra da indústria cultural e de todas as outras indústrias. Sabe como esses “artistas”, do naipe de João do Morro, divulgam seu – lá deles! – trabalho? Fazem cópias piratas da matriz, distribuem sem qualquer custo para aqueles carroceiros vendedores de CD e DVD’s e ganham nas apresentações ao vivo. O vendedor (uma atrocidade aos ouvidos numa cidade tão incrivelmente ruidosa) de CD fica divulgando porque ganhará 100% da mercadoria, se vendê-la; o “artista” terá sem som divulgado nas periferias, regiões centrais, bairros abastados ou não por um custo mínimo – afinal não cobrará direitos autorais dele mesmo, né?
A existência de apologia ao crime nas “artes” compõe uma via de mão dupla com a sociedade brasileira: como na figura mitológica da cobra que engole o próprio rabo, não dá para saber onde começa a sociedade e onde termina a arte. Fotografam-se num mesmo instante e mutuamente.
Sim, sou elitista de bom grado, sem interesse algum, eheheheh! Talvez, em outro momento histórico, em outro país, adepto do despotismo esclarecido. Se você não fosse da oposição – e também sequioso de tomar o poder – o convidaria para ajudar na administração. "Broma" minha.
Você não se dizia pessimista até pouco tempo? Quê passou?
Eu desenvolvi seu argumento noutro âmbito; concordo com a citada impossibilidade de acordo (não só em se tratando de cores), desde que nos refiramos a acordo num sentido forte. Num sentido fraco, se houver comprometimento e bom senso, acho possível. O problema a haver estas duas coisas (daí caímos numa especie de círculo vicioso).
Seu posicionamento acerca de o dinheiro sobrepor-se a tudo mais, não há como refuta-la. No entanto, o Sr. Parece não só generalizar, mas absolutizar a questão, caindo assim num fatalismo. Meu pessimismo ainda existe, mas venho tentando aparar suas arestas. Por paradoxal que soe, fui/ sou um pessimista romântico e idealista.
Como já mencionei, acho o trabalho de João do moro uma porcaria e abomino a quase totalidade das carrocinhas de cd's, pois só tocam porcaria. E, no entanto, sou favorável a pirataria no que concerne a “retificação de preço abusivos” (não em termos absolutos).
Acredito que seja sim uma via de mao dupla mas, como já argumentei, parece-me que a melhor estrategia é mais combater o crime menos a apologia, pois sem apologia ainda haverá crime, mas sem crime não haverá apologia.
Outra coisa (sobre outro comentário seu): não há como negar que as ditaduras chilena e argetina foram mais “pesadas” que a daqui (inclusive lá ditadores foram punidos, enquanto aqui tudo acaba em conciliação, país sem vergonha); no entanto, o termo “ditabranda” relativiza a ditadura que efetivamente ocorreu no país, o que acarreta consequências ideológicas muito sérias.
E não é o dinheiro a entidade absoluta nesta sociedade e em todas? Se não fosse ele seria qualquer outro objeto dotado de valor de troca.
No tema da pirataria onde situaríamos a propriedade intelectual? O atual presidente do Brasil, Luís Inércio Mulla da Silva – e os LL são para associá-lo ao seu grande aliado, CoLLor de MeLLo – jactou-se, tempos atrás, de ter visto àquele filmeco cafona e estúpido, “Dois Filhos de Francisco” em cópia pirata, no AeroLulla. Se até o supremo mandatário da nação usa uma mídia falsificada que dizer do populacho? Falsificadores de CDs e DVDs estão emaranhados em outros esquemas irregulares, sem dúvida. No mínimo dos mínimos ganham muito dinheiro e não pagam impostos de circulação de mercadorias, trabalhistas, entre outros.
A censura, caro Alberto, não deveria ser utilizada partout, sem critérios, mas em casos pontuais. Não existe uma interdição aos menores de 18 anos de filmes pornográficos ou com cenas de violência extrema? Por quê? Apenas porque os menores de 18 não têm – majoritariamente – o discernimento necessário para ver determinadas cenas e não se traumatizar, ou compor um esquema mental equivocado em relação ao sexo ou à violência. A música não pode ser censurada pela natureza de sua difusão – isso poderia ocorrer, no entanto, no âmbito da gravação, ainda no estúdio. Eu era fã do Camisa de Vênus. O ex-marido de minha irmã tinha o LP “Viva”, disco gravado em 1986 no Credicard Hall, em Santos. Pois bem, das 12 faixas, 10 vinham com os dizeres seguintes: “Proibida a radiodifusão e execução pública dessa faixa”. O ano era 86, o governo dos Generais-Presidentes já havia acabado – em 1985 – e a censura ainda estava impregnada na indústria cultural de então. A letra mais “pesada” daquele disco é, para mim, a de Bete Morreu (“Todos queriam Bete/Festejavam Bete/Sonhavam com Bete, mas ela nem ligava/ Um dia ela saiu de casa/Para dobrar a esquina/Foi empurrada dentro de um carro/Pra ela deixar de ser menina/Amordaçaram Bete/Estupraram Bete/Violentaram Bete/Ela nem se mexeu/Bete Morreu”). Como está exposto, a letra não induz ninguém a estupra, relata uma violação sexual e posterior assassinato. Diferentemente daquela música que mencionei no meu primeiro comentário, neste mesmo post lá em cima: ali, numa sorte de funk oriundo seguramente dos morros do Rio de Janeiro, um cara cantava o esquema de seqüestro, de tortura da vítima, e no modo que o pai de um menininho deveria proceder para pagar o resgate... Quando penso nessa letra me dá um embrulho no estômago, sem brincadeira. Repito o comentado antes: para essa música chegar aqui no Recife teve de integrar algum esquema oficializado de divulgação (uma gravadora razoável mais um esquema de distribuição) até porque uma banda como a Swing da Paixão, Excesso de Bagagem ou Kitara não chegariam às rádios do Rio apenas no sistema de divulgação via carrocinha. Devemos pensar que a recíproca é verdadeira, certo?
No que toca à música Papa Frango, de do Morro, a questão estaria calcada no fato de Pernambuco ser um dos estados da Federação de cultura exponencialmente patriarcal - e por tabela machista e homofóbica. Se não temos skinheads por aqui (Recife), temos, por outro lado, a violência generalizada contra as minorias de qualquer espécie. Isso posto, a ideia de filtrar essas excrescências sonoras me agrada aos ouvidos.
{Quem é que diz, no curta-metragem, que João do Morro é um cronista da periferia? Não é aquele $!3*&%# do Roger de Renor não, né? Cronista para mim é o J. R. Guzzo, o Luís Fernando Veríssimo, Rubem Fonseca, Nelson Rodrigues, Arnaldo Jabor... não esse João do Morro...}
Bom, você mesmo me parece opositor das absolutizações, não? No mundo tudo é relativo. Para o Carlos Heitor Cony e a galera dele que ganhou vultosas indenizações do Estado apenas por opositores do regime militar brasileiro, a ditadura não foi sequer mole, mas um grande investimento.
Primeiramente, gostaria de desfazer um possível – e provável – mal entendido: apesar de ter me auto intitulado idealista (em certo sentido e até certo ponto), busco me afastar de certas ingenuidades primárias que tal posicionamento muitas vezes implica. Apesar de nutrir certa simpatia pela ética kantiana, parece-me pueril centrar-se sobre o “dever ser” em detrimento do aquilo que é (ser), ou seja, pensar antes em como as coisas deveriam ser do que em como as coisas realmente são. Esclarecido isto, tentarei responder pontualmente a cada parágrafo seu.
Quanto a pirataria, de fato a vinculação com outros crimes mais graves é um problema sério e existente. Mas excetuando isso, me parece algo não só aceitável, mas positivo, tanto pelo verdadeiro crime que é vender produtos por um preço exorbitante (sobretudo quando o povo em geral ganha pouco, pois se não fosse isso os altos preços seriam aceitáveis), como pelo fato de que os impostos recolhidos por nosso país vão parar majoritariamente nos bolsos de nossos “representantes”. Por ex., há uma outra forma de pirataria que até onde sei não está ligada a traficantes de drogas e afins: trata-se da pirataria virtual; atualmente posso baixar o disco ou filme que quiser e me parece ser este um processo irreversível. Cabe aos artistas se adaptarem. Não sei se sabes, mas ao menos na música, a maior parte dos rendimentos da venda de cd’s/ dvd’s vai p/ as gravadoras; o lucro maior dos artistas se dá com shows. Neste sentido, sou a favor da pirataria, mas não todo tipo de pirataria.
Seu argumento sobre menores de idade é deveras pertinente, mas já começo discordando que majoritariamente não tenha discernimento para verem certas cenas e não se traumatizarem. A proibição imposta a menores de 18 anos de consumirem revistas/ filmes eróticas não faz sentido algum, pois está na pura contramão da realidade; boa parte deles não só consome, e sem traumas, mas inclusive pratica. Me parece (aqui retomo meu argumento do consenso), que melhor do que estipular uma idade limite p/ determinadas coisas seria atribuir aos pais e responsabilidade de escolherem, afinal há rapazes/ garotas de 12 (!) anos que não se chocam mais com nada, ao passo que certamente existem pessoas de mais de 20 que são ainda demasiado inocentes. Cada caso é um caso. Um exemplo pertinente foi o da proibiçao de jogos considerados violentos: me criei decepando cabeças e arrancando corações no mortal kombat desde os 12 anos e nem por isso me tornei assassino. Penso – repito – que caberia aos pais julgar o que é apropriado ou não, mas estou ciente de que existem (e são muitos) pais que não tem o menor discernimento para isso. O caminho seria então não deixar que isso acontecesse. Ora, será que a violência de um jovem é mais estimulada por jogos ou pelo noticiário (costuma-se dizer que se alguém espremer a “Folha de Pernambuco” o sangue escorre) ou melhor (pior), pela realidade mais próxima de ver alguém ser assassinado perto de sua casa? Ok. Não há como sustentar total ausência de censura e não insinuei (muito menos afirmei) que o Sr. defendesse a censura indiscriminada. Mas o problema é que uma utilização abre precedentes para outras, mesmo que haja esforço para que isso só se dê em casos pontuais (e extremos). Há um episódio de “Os Simpsons” que mostra bem como a censura pode fugir do controle. Repito: não afirmo que não deva existir censura nunca, mas defendo que deve-se evita-la o máximo possível, utilizando-a apenas como medida última. Defendo a conscientização que é mais difícil, mas mais eficaz e edificante (vc mencionou que como não seria possível barrar a distribuição, dever-se-ia evitar a gravação, mas te pergunto se seria possível, pois não é tão difícil montar um estúdio hoje em dia e, em último caso, poder-se-ia gravar num gravador “peba” mesmo). Acredito que o caminho não é tentar extinguir a doença, mas tornar-se imune a ela.
(Continuação)
A idéia de “filtrar essas excrescências sonoras” tbm me agrada aos ouvidos, mas me parece a alternativa mais cômoda; ora, se ao invés de estudarmos na escola assuntos flagrantemente defasados, tivéssemos ênfase em questões de gênero, sexualidade, etnia (não me refiro só a trabalhar tais questões, mas a enfatiza-las), talvez a barbárie cultura diminuísse. Evidentemente, de nada adianta tentar educar só as crianças: seria necessário educar tbm aos pais e isso, de fato, parece deveras difícil. É tendência achar que certas pessoas não têm mais jeito. Mas isso – em que pese sua possível e quiçá provável veracidade em certos casos – não deixa de ser um determinismo.
Não é o Roger não. Percebi na fala dele uma tentativa de não se comprometer: ele elogia o fato de João do Morro ir p/ a zona Sul e cobrar caro, mas não empreende juízo de valor sobre a qualidade de sua “música”. Entendo seu argumento, mas a defesa de que ele é um cronista de periferia se pauta no raciocínio de que ele descreve as coisas que de fato acontecem, e isso talvez seja verdade, e nisso não se põe a questão da qualidade do relato. Mas isso não significa que eu concorde com esta “hipótese”; ele me pareceu, antes de tudo um oportunista, mas muito competente (não me refiro a termos artísticos obviamente, mas a conseguir se destacar). Não deixa de ser interessante ver um favelado vulgar arrancar dinheiro da burguesia de Boa Viagem (e não estou falando de roubo).
Pois é, sou um opositor das absolutizações, e confesso minha simpatia para com a assertiva “tudo é relativo” por ser ela essencialmente contraditória e minha antipatia para com Cony por considerá-lo um oportunista da pior qualidade, tal qual João do Morro.
Sintetizando problematicamente a questão que nos levou a uma discussão mais longa que a própria postagem (e não estou sugerindo o encerramento daquela): a perspectiva de censura não pode ser descartada em termos absolutos, mas gera pelo menos 2 problemas (talvez sejam dois lados dum mesmo problema): qual o critério para decidir o que deve ou não ser censurado e como evitar que a abertura de precedente ultrapasse os casos pontuais e urgentes. Já a perspectiva de tentar substituir a censura pela conscientização trás o problema da exeqüibilidade (que existe no caso da censura, mas em menor grau); como conscientizar aqueles !#$%¨@ (como não há adjetivo pejorativo que me satisfaça neste caso, opto por adotar símbolos) pais que são o perfeito exemplo de tudo que uma criança/ jovem não deveria ver/ ouvir? Minha experiência direta com isso é quase nula, mas a indireta (minha mãe é professora de escola pública) é grande.
Para finalizar, sua primeira frase é de um flagrante determinismo e pessimismo; o fato de algo ter sido sempre de uma maneira (se será que foi mesmo sempre assim? Majoritariamente com certeza, mas sempre talvez não) não implica que continuará sendo sempre da mesma forma; aqui já me contradigo e volto ao idealismo; porém, um realismo absoluto levaria a resignação: sem certa dose (por vezes grande) de idealismo nunca se teria mudado nada. No entanto, idealismo sem ter pelo menos um dos pés no chão conduz ao fracasso inevitável.
Alberto,
Deveríamos jogar conforme as regras do jogo. Se o modo de produção vigente no país é o capitalista e se um punhado de grandes gravadoras domina os esquemas de confecção e distribuição, o quê se há de fazer? Os valores dos produtos não são aleatórios. Obedecem a uma lógica mercadológica muito simplória, até. Quanto custa um CD da banda Saia Rodada? E uma antologia de Beethoven? Ambos estão na faixa de mais ou menos 15 reais. Os motivos para isso são opostos: enquanto o disco do vulgo vende – ou vendia – às classes mais baixas e sua falsificação é mais freqüente, o preço cobrado pelo original tem que ser mais baixo. O disco de Beethoven tem esse preço porque a procura é irrisória, quase inexistente e ninguém tomará sua matriz para piratear, pois faltaria o consumidor – a parte mais importante da triangulação.
Tergiversando um pouco, mencionarei o caso do Radiohead que disponibilizou seu último disco (In Rainbows) para venda na web e o sujeito pagava o quanto quisesse pelo CD; outro exemplo que me lembrei é o da banda Soulsavers (acho que é minha preferida do ano que passou até hoje). Como não é muito divulgado, mas tendo fãs fiéis e fanáticos pela voz rouca de M. Lanegan seu disco estava custando nos EUA a formidável quantia de 40USD – brinque? Se fosse comprar daqui desembolsaria mais de cem reais por um disco original dos savers. Tenho absoluta convicção de que esse argumento do desvio de impostos é fraquinho, Alberto, vá me desculpando. Desvio de dinheiro para bolsos escusos existe até na Áustria, na Finlândia e onde se puder imaginar. De mais a mais, como esclarecidos que somos – “e elogio da própria boca é vitupério”, como diriam os antigos – devemos proceder no cotidiano de modo ético e não nos contaminarmos pelas paixões imediatas.
O processo de baixar o disco é irreversível, porém gradual. Isso não impedirá as gravadoras de montar esquemas de cobrança, de propriedade intelectual etc. Afinal, uma dessas majors disponibiliza uma série de recursos para que os artistas produzam um som ou filme de excelente qualidade ou mesmo pague os cachês de atores, músicos, sonoplastas, arquitetos, engenheiros e toda a parafernália necessária à produção de um filme ou disco.
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