domingo, 29 de janeiro de 2012
Theo Angelopoulos (1936-2012)
23:59 |
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Na semana passada (mais precisamente, dia 24/01/2012) faleceu aos 76 anos o cineasta grego Theodoros Angelopoulos, atropelado por uma motocicleta (há certa ironia trágica no fato de em seu filme “Paisagem na neblina” um dos personagens possuir uma moto na qual aparece em diversas cenas transportando o casal de protagonistas infantis do filme). O diretor se encontrava ainda em atividade, inclusive preparando-se para filmar uma obra sobre a crise político-econômica que a Grécia enfrenta nos últimos anos. Angelopoulos tornou-se o cineasta grego mais reconhecido do país, alcançando sucesso internacional com o filme “A viagem dos comediantes” (1975); com “A eternidade e um dia” (1998), conquistou a Palma de Ouro em Cannes. De acordo com o verbete que leva seu nome da Wikipédia:
“Seus filmes são conhecidos pelas longas cenas sem cortes (plano-sequência), pelo silêncio, alegorias e referências mitológicas, além da temática que percorre os caminhos da melancolia na civilização moderna - de maneira mais específica em duas fases: a primeira mais marxista-brechtiana, e a segunda, a partir de "Viagem a Citera", com abordagens mais emocionais e subjetivas”
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Theo_Angelopoulos)
b) Aspecto subjetivo
Não sei ao certo se a primeira vez que ouvi falar em Angelopoulos foi quando minha mãe comprou (sabe-se lá o motivo, já que ela não conhecia o cineasta, ao contrário de Bergman, por exemplo) o DVD “Paisagem na neblina” ou se foi através do livro “1001 filmes para ver antes de morrer” (2008), adquirido por ele em 2009 ou 2010. Na realidade isto pouco importa, pois se primeiro veio o DVD, foi por causa dele que me interessei pela resenha do filme, e se veio primeiro o livro, foi por causa deste que me interessei pelo filme. Não se faz necessária demasiada inteligência/sensibilidade para perceber (olhando-se a capa, lendo-se a sinopse, bem como a resenha do filme no livro citado) que “Paisagem na neblina” (1988) é um filme belo e profundo, porém, lento. Como tal tipo exige maior disposição, acabei não assistindo-o até ontem (evidentemente o falecimento do cineasta me impeliu a isto, pois não gostaria de dedicar-lhe uma postagem sem ter visto sequer um filme seu). Não cabe aqui tratar do filme acima citado, pois ele merece um texto específico; limito-me então a dizer que gostei bastante dele e que, a impressão acima mencionada foi correta: o filme é lento e pode tornar-se extremamente cansativo para quem não tiver alguma familiaridade com o padrão narrativo desacelerado de muitos dos filmes autorais europeus. Cabe ainda salientar que a citação da Wikipédia acima utilizada parece ser perfeitamente verossímil.
No que concerne às influências de Angelopoulos, no fórum de discussão/página de comentários do filme “Paisagem na neblina” na rede social de filmes e seriados Filmow (falarei desta em alguma postagem posterior), mais de uma pessoa aponta Andrei Tarkovski com influenciador do cineasta grego, o que não me parece absurdo; na resenha deste mesmo filme no já mencionado livro “1001 filmes para ver antes de morrer”, afirma-se que Roberto Rossellini (no que concerne a fragmentação do pós-guerra) e Chantal Akerman (no aspecto paisagístico) constituem os dois pólos entre os quais se situa “Paisagem na neblina”. Pessoalmente, ao assistir o filme, lembrei-me (por conta das paisagens) de “Deserto Vermelho” de Michelangelo Antonioni e de “O homem de mármore” de Adrzej Wajda. Acabou de me ocorrer que talvez o “Não matarás” e o “A liberdade é branca” (na parte passada na Polônia) de Krysztof Kieslowski também possuem similaridades paisagísticas com tal filme de Angelopoulos. Tratam-se todos de cineastas europeus mais ou menos contemporâneos uns aos outros, todos fortemente influenciados pelo contexto pós Segunda Guerra Mundial (e alguns pelo próprio conflito, como Rossellini e Wajda), de modo que vejo aspectos comuns entre eles, embora alguns sejam mais subjetivos, outros mais políticos (não sendo, entretanto, de modo algum tais enfoques auto-excludentes, ao contrário).
Mais difícil para mim de interpretar é a declaração de Angelopoulos de que Orson Welles (de quem muito já ouvi falar, mas cuja obra conheço pouquíssimo) e Kenji Mizoguchi (que até o presente momento é-me um ilustre desconhecido) sejam suas influências primárias. Tal declaração é mencionada no livro (mais uma vez ele) “1001 livros para ver antes de morrer”, desta vez na resenha do filme “A viagem dos comediantes”. Talvez tais influências sejam mais fortes nas obras da suposta primeira fase, mas isto não passa de vaga especulação. Faz-se necessário debruçar-me sobre os filmes do cineasta para poder escrever sobre ele com maior propriedade. Fica aqui minha homenagem a ele, bem como a lamentação pela perda de mais um cineasta “classe A”, bem como a indicação do filme “Paisagem na neblina”.
Alberto Bezerra de Abreu, 29/01/2011, (redigido ao som de João Gilberto e Paulinho da Viola=)
Ps. eis um texto interessante sobre Angelopoulos:
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sábado, 28 de janeiro de 2012
La malédiction de L’Apollonide
23:27 |
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Imagem 1 - Cartaz do filme
Imagem 2 - foto do folder
Imagem 3 - foto do site
Em dezembro de 2011 realizou-se no cinema da Fundação Joaquim Nabuco o festival Expectativa 2012/retrospectiva 2011 (evento que abordarei posteriormente); um dos filmes previstos para e exibição era o francês “L’Apollonide – os amores da casa de tolerância”; como nunca ouvira falar deste, devo confessar que inicialmente meu interesse de deteve em filmes mais famosos que não pude ver antes, como “A árvore da vida” (Terrence Malick), “Meia-noite em Paris” (Woody Allen) e “A pele que habito” (Pedro Almodóvar); contudo, bastou que eu visse o cartaz de “L’Apollonide” no cinema citado para que meu interesse pelo filme fosse imediata e fortemente despertado. Não há espaço aqui para eufemismo, muito menos para hipocrisia: o fator central para tamanha atração foi sexual, pois o corpo feminino exibido (sem nudez, mas com muita sensualidade) no cartaz é realmente belo (vide imagem nº 1).
Por sua vez, no folder do evento as informações de alguns dos filmes a serem exibidos eram acompanhados por imagem e “L’Apollonide” foi um dos contemplados; na imagem em questão aparece um grupo de mulheres, todas de topless (vide imagem nº 2), o que só aguçou minha curiosidade pela obra. Cabe aqui, porém, salientar que, embora a motivação sexual tenha sido a principal não foi ela a única que me moveu: a dinâmica dum prostíbulo francês aparentemente chique parece-me um enredo interessante, até porque não pensei que tal história constituísse mera desculpa para exibir a nudez de belos corpos femininos.
Pois bem, quando enfim fui assistir a tal filme eis que o rapaz da bilheteria me informa que houve mudança no filme que seria exibido: “L’Apollonide” não mais seria exibido no festival devido a problemas técnicos (não especificados). Em seu lugar foi exibido o filme “O último dançarino de Mao” (o qual acabei assistindo e gostando) e na segunda sessão prevista do filme francês (já num outro dia) foi exibido “O garoto da bicicleta”.
Passaram-se então as festas de fim de ano e a quase totalidade do mês de janeiro do ano seguinte (2012), e eis que num sábado, vejo “L’Apollonide” na programação do Cinema da Fundação através dum jornal. A primeira sessão seria as 16h e a segunda 20:10; a da tarde me atraiu mais, mas decidi não ir para ouvir no rádio o jogo do meu querido Santa Cruz; no entanto, informei-me que o jogo do santinha não seria às 16h como ocorre no domingo, mas às 18h, de modo que levei meu radinho de pilha para acompanhar a partida ao sair do cinema. Cabe salientar que no site do cinema (que consultei para confirmar o horário, tendo em vista que jornais não são confiáveis) vi a terceira imagem interessante do filme, desta vez sem tanta sensualidade, mas esbanjando requinte (vide imagem nº 3), o que não significa que as imagens anteriores também não fossem de notório bom gosto (sensualidade não vulgar, apelativa).
Filme iniciado e nada de som nos diálogos, porém tanto eu quanto um amigo que encontrei por acaso pensamos que poderia advir isto de as primeiras falas serem sussurradas (vai saber); entretanto a ausência de som persistiu e o filme foi interrompido para que se procurasse sanar o problema; passados alguns minutos (entre cinco e dez), fomos informados de que o problema estaria presente em todas as cópias distribuídas do filme (se bem entendi, no Brasil inteiro) e de que não seria possível a exibição daquela sessão, quiçá apenas a da noite, ou seja, foi a segunda vez que fui ao mencionado cinema para ver tal filme e fiquei a ver navios. Será acaso? Azar? Intervenção puritana estadunidense? (recentemente tiraram do ar o site de compartilhamento de arquivos Megaupload). Sabotagem proposital dos próprios produtores do filme com intuito de deixar o público inteiramente louco de curiosidade, interesse ou – talvez este seja o termo mais apropriado – desejo pelo filme? Não sei, só sei que certamente estarei lá numa das próximas sessões previstas.
Ps. O santinha perdeu =/
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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
O Gato de botas ou o aventureiro ronronador
23:41 |
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"É por isso que me chamam de 'pata mansa'"
"E ai, gatinha?"
"Noooooossaaaaaaaaaa!!!!!"
Comecemos pelo começo: o Gato de botas é um personagem de um conto (infantil?) de Charles Perrault, publicado no livro “Contos da mamãe gansa” (1697). O felino protagonista de “Gato de Botas” (Puss in Boots, EUA, 2011, dirigido por Chris Miller) é inspirado no personagem de Perrault, só que transposto para um contexto completamente diferente do original (uma versão aproximada do conto original pode ser encontrada no seguinte endereço: (http://www.educacional.com.br/projetos/ef1a4/contosdefadas/gatodebotas.html). A primeira aparição do felino que protagoniza o filme aqui resenhado deu-se no filme “Shrek 2” (2004) e de imediato tal versão estilizada do gato de botas roubou a cena no longa; no “Shrek 3” (2007), o felino volta a aparecer e dessa vez o diretor do longa foi Chris Miller, justamente quem dirigiu esta primeira aventura do gato como protagonista.
A primeira diferença entre a franquia Shrek e a do Gato de botas consiste na origem dos personagens; como já dissemos, o felino espadachim se baseia num conto, sendo ele no original um personagem perspicaz; assim, embora tenha havido estilização (sobretudo no que concerne a aproximá-lo duma versão felina do herói Zorro, não sendo a toa que o dublador do gato não só em inglês e espanhol, mas também em italiano foi Antônio Banderas, interprete do Herói mascarado no cinema), o personagem de um gato que usava botas e dava uma de herói. Cabe salientar que, embora no conto original o gato não seja espadachim, muito menos um Don Juan, sua perspicácia é preservada no longa, sobretudo quando o felino utiliza sua indefectível carinha meiga. Por sua vez, Shrek não constitui uma estilização dum personagem já existente, mas a personalização dum eterno figurante em contos de fada: a figura genérica do ogro, cuja função geralmente se limitava a ser um personagem do lado mau, porém figurante (se não me engano os trolls de Tolkien se inspiram nos ogros).
A segunda diferença dar-se na estrutura narrativa, e aqui o gato leva uma surra: toda a dinâmica estrutural de todos os episódios de franquia Shrek se baseavam num humor escrachado, escracho este que se dava tanto em relação aos contos de fada (um ogro bom, um príncipe baixinho e mesquinho, uma fada madrinha mau caráter) como em relação a clássicos do cinema (no momento me fugiram os exemplos, mas encontrei muitos no “Shrek 2”). Já na aventura “solo” do gato o humor se baseia majoritariamente (quiçá exclusivamente) em gags visuais; o personagem Humpty Dumpty tem um quê que ridículo que torna desnecessário grandes esforços para ser engraçado. Cabe salientar que, em minha opinião o maior carisma do gato em relação a Shrek compensa a notória inferioridade do enredo de seu filme “solo”.
No que concerne às similaridades entre os filmes Shrek e o Gato de botas, a principal consiste no fato de ambos se utilizarem do recurso anárquico da mistura de contos de fada: como já mencionamos e repetimos, o personagem do Gato de botas se baseia no personagem homônimo de um conto de Charles Perrault; por sua vez o enredo do filme nada tem a ver com o do conto original, misturando a história do conto de fada “João e o pé de feijão” com a história de infância do gato num orfanato ao lado de Humpty Dumpty; este último, embora apareça em “Alice através do espelho” (1871) de Lewis Carroll, existia antes disso como personagem duma rima em língua inglesa (http://nossospequenosleitores.blogspot.com/2012/01/voce-conhece-historia-do-humpty-dumpty.html#!/2012/01/voce-conhece-historia-do-humpty-dumpty.html); seu hilário diálogo com Alice merece ser conferido: (http://www.arquivors.com/lcarroll1.htm). Cabe ainda salientar que os personagens Jack e Jill parecem constar também em algum conto de fadas, mas ao pesquisar, só me deparei com um seriado televisivo ¬¬.
Após esta introdução geral, enfim adentrarei de modo mais detido no filme em questão; na realidade, ando tão desinteressado nas produções hollywoodianas que sequer estava sabendo desta aventura “solo” do Gatos de botas, a qual me interessou exclusivamente por ser eu um apaixonado por gatos; no entanto, o fator decisivo que me levou a assistir o filme no cinema foi o relato da verossimilhança felina do protagonista. Em termos mais claros: trata-se do fato de o personagem principal em alguns momentos abandonar a postura antropocêntrica (falar, andar sobre duas patas) e adotar atitudes tipicamente felinas. Nas palavras de Jerônimo Teixeira (edição de 07/12/2011 da revista Veja, matéria intitulada “México feérico”, p. 200):
"O grande barato do novo filme está nas vibrantes cenas de ação e nas gagues visuais: o protagonista às vezes abandona a postura antropomórfica para se dedicar a atividades próprias de sua espécie, como lavar-se com a língua ou perseguir focos de luz."
No final das contas, tal matéria de Veja serviu não só para que eu me inteirasse desta aventura “solo” do Gato de botas do Shrek, mas também (especialmente no trecho acima citado) para me impelir a assistir ao filme no insuportável Multiplex. Gostaria de salientar que tal autenticamente felina já fora adotada pelo gato em sua estréia no segundo Shrek; numa das cenas mais carismáticas, quando Fiona pensa que quem está montado no cavalo é Shrek, depara-se com um gatinho asseando-se (através de um banho de língua); o recurso da carinha meiga, também inaugurado no segundo episódio da franquia do ogro volta a aparecer na aventura específica do gato; no entanto, um aspecto no qual o segundo Shrek não fora verossímil em relação ao comportamento felino foi ao mostrar o gato bebendo algo como um humano, ou seja, levando o copo até a boca e inclinando-o, de modo a despejar o liquido em sua garganta. No filme que aqui resenhamos (numa das cenas fofas e simultaneamente cômicas, feita para despertar expressões do tipo “onn” na platéia), após adentrar num bar cheio de pose e pedir leite (!), o felino utiliza a língua para levar o liquido à boca, tal qual fazem os gatos. Há ainda outro aspecto cuja verossimilhança felina passa longe, desta vez sendo utilizado não só no segundo Shrek, mas também em “Gato de botas”, a saber, o fato de o felino se molhar e não se incomodar com isso (em seu filme, o gato só se incomoda ao ser molhado quando borrifam água nele); nada mais inverossímil, já que gatos detestam tomar banho que não seja o de sua própria língua. Faz-se aqui pertinente a menção a outra matéria (esta lida por mim só após assistir ao filme); nela, afirma Flávia de Gusmão (edição de 21/11/2011 do Jornal do Commercio, matéria intitulada “O encantador Gato de Botas”, caderno C, p. 1): :
"É justamente na contradição e na justaposição entre homem e animal, neste antropomorfismo, que reside o encanto desta personagem. Ele é diminuto, mas tem a voz de um tarimbado latin lover; ele é valente, mas bebe leite enfiando a lingüinha rosada no copo, e não aos goles; ele desfia um discurso shakespeariano para, no instante seguinte, ficar hipnotizado por um foco de luz e passar a fazer o que os gatos fazem por natureza: persegui-lo tonta a inutilmente."
Relendo a matéria de Teixeira, me dei conta de algo que me havia passado batido: de fato “Gato de botas” investe bastante em cenas de ação, diferenciando-se assim de Shrek (ao menos dos dois primeiros, que foram os que assisti); no entanto, como passei da adolescência, prefiro um bom roteiro a cenas de ação, e neste aspecto os filmes do ogro são superiores ao do gato. Dessa forma, os maiores atrativos de “Gato de Botas” são as cenas de ação e o carisma do personagem principal, e não só dele; discordo de Teixeira quando este afirma que “Não são personagens tão cativantes quando aqueles que se viam em Shrek”. No que concerne a Kitty Pata Mansa (terá o primeiro nome algo a ver com Hello Kitty?), esta constitui uma versão feminina do gato, mas o mais interessante é que capricharam na feminilidade da personagem; não sei explicar o motivo, mas ela tem charme, embora não tenha ganho nenhuma atenção nas várias resenhas sobre o filme que li. Já o outrora mencionado Humpty Dumpty é um caso aparte e, para falar dele, utilizo-me duma analogia com o Burro do Shrek: ambos me pareceram inicialmente personagens chatos, mas posteriormente pude perceber seus méritos; porém, no caso do ovo falante minha impressão variou de um extremo a outro, pois embora seja apaixonado por gatos, inclino-me a considerar Humpty o melhor personagem do filme. Primeiramente por suas expressões faciais, extremamente expressivas (enquanto a dos felinos é charmosa, mas um tanto clichê); em segundo lugar por ser ele o personagem melhor explorado do ponto de vista psicológico, além de ele ser simultaneamente trágico e cômico. O aspecto original do personagem (preservado no filme) aponta para sua falta de equilíbrio advinda de sua formato corporal, porém, tal peculiaridade possui forte caráter metafórico (não abordarei aqui este tema devido ao caráter já extenso do texto, mas a leitura do trecho de “Alice através do espelho” que linkei acima elucida um pouco a questão).
Em suma, “Gato de Botas” não constitui um Shrek alternativo; possui vantagens e desvantagens em relação aos filmes do ogro e as preferências numa comparação entre ambos dependerá do que cada expectador buscar. Achei que o filme do gato poderia ser muito melhor em enredo/roteiro, porém considero o carisma dos personagens forte o bastante para, na pior das hipóteses, equiparar o filme do felino aos do ogro que assisti em termos gerais (todos valem a pena serem assistidos, ao contrário, por exemplo, do “Alice” de Tim Burton).
Alberto Bezerra de Abreu, janeiro de 2012, redigido majoritariamente ao som da coletânea Ken Burns jazz the story of american music
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
A MELANCOLIA de Lars Von Trier e do Cinema em Pernambuco.
00:21 |
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Melancolia: 100% de ingressos vendidos na estreia, ultrapassando mais de 5.000 espectadores na 4ª semana de exibição.
Surrealismo niilista: a natureza rasgando o vestido moralístico.
Vênus de Lars Von Trier
John acompanhando o Melancholia à luz da Razão.
O tema deste texto é o filme Melancolia, porém não poderia deixar de abordar este filme sem problematizar, em breve linhas, o funcionamento do mercado cinematográfico. Por ano, cerca de dez mil filmes são feitos no mundo, contudo, apenas 2 a 3 % deste total são exibidos no Brasil. Esta problemática está diretamente ligada à política de distribuição de filmes do mercado cinematográfico.
Após um filme estar pronto, os produtores o exibem para diversas distribuidoras como Warner, Europa Filmes, Focus Filme, Columbia Pitures, Califórnia Filmes etc.; sendo aprovado por uma das distribuidoras, elas passam a negociar com os donos dos principais cinemas de vários países, os quais irão levar em consideração uma estatística especulativa de lucratividade da exibição do mesmo. Sendo positiva, o negócio é fechado – inicia-se a propaganda – e o lucro é dividido meio a meio entre a distribuidora e os exibidores. Em síntese, a arte cinematográfica desce ao restrito patamar dos lucros e estatísticas – perdendo seu valor espontâneo de agente questionador da sociedade a partir da subjetividade da lente do cineastra em seus temas mais diversos.
Restrito a tal política, não é à toa que filmes como o do renomado diretor dinamarquês Lars Von Trier se torne invisível para as diversas salas de cinema do Brasil, mesmo quando estrelados por atores hollywoodianos como Willem Dafoe (O Anticristo) e Nicole Kidman (Dogville). Desta vez, em Melancolia, entraram em cena Kirsten Dunst (famosa pelo filme Homem-Aranha), e Kiefer Sutherland (protagonista da série 24 Horas). Mas isto não foi o suficiente para os dois grandes cinemas de Pernambuco, o Box Cinema e o UCI Ribeiro, abraçarem a nova obra de Von Trier – na verdade seu nome os assustam, dado a complexidade questionadora e existencialista dos filmes deste diretor que, infelizmente, às vezes, afasta o grande público. Dogville estreou em 2003 no UCI Ribeiro e semanas depois da estreia sua bilheteria caiu bruscamente. A pessoa de Nicole Kidman, em um dos seus mais brilhantes trabalhos, não foi o suficiente para manter uma boa lucratividade – daí em diante, ao menos em Pernambuco, mais nunca o grande público ouviu falar de Lars Von Trier. Todavia, o cinema da Fundação Joaquim Nabuco, instituto histórico-cultural vinculado ao Ministério da Educação, vinha abraçando desde 1998 a obra do diretor e, por consequência, colocou em cartaz o seu mais novo trabalho, Melancolia. O qual, para surpresa de todos, segundo Kleber Mendonça, curador do cinema da Fundação, teve em sua estreia 100% dos ingressos vendidos e ultrapassou, na 4ª semana de exibição, mais de 5.000 espectadores.
Melancolia não é um daqueles filmes que faz do espectador um mero observador de um início, meio e fim. Von Trier transforma o espectador numa espécie de voyeur dos sentimentos da trama, ou seja, ao observarmos a película, passamos a interagir com os paradoxos existencialistas da trama, atribuindo-as a nós mesmos. E isto não só através dos diálogos, mas também, através da belíssima fotografia do filme que, em vários momentos, remete a uma plasticidade surrealista.
No início do filme somos massacrados com a imagem da Terra sendo destruída. Simultaneamente à catástrofe, presenciamos, em câmera lenta, pessoas agindo apenas pela espontaneidade de seus inconscientes. As sequências de cenas parecem incoerentes. E de fato são (!): uma linda noiva com o seu buque desliza por sobre as águas de um rio; uma mãe corre desesperada, sem rumo, abraçando fortemente seu filho. Mas como salva-lo se a catástrofe que esta por vir é eminente? Que Razão há em seu agir? E a mesma noiva que antes deslizava por sobre o rio, também aparece correndo em direção ao nada, porém, as raízes das árvores brotam bruscamente da terra, enroscando suas mãos e pernas, impedindo-a de correr, rasgando seu vestido. É a natureza proclamando o caos, rasgando simbolicamente os valores morais da sociedade, fazendo do ser Humano novamente natureza, ou seja, tornando-o parte insignificante dos acasos da imensidão do cosmo.
O filme é dividido em duas partes, a primeira dedica-se a Justine (Kirsten Dunst) que, diante de sua glamorosa festa de casamento, patrocinada pelo seu cunhado, John (Kiefer Sutherland), e organizada por sua irmã, Claire (Charlotte Gainsbourg), transmite ao espectador uma constante angustia que, para John, parece incompreensível, dado que ela está vivendo, naquele momento, todo o glamour que qualquer mulher desejaria para o seu casamento: com chegada em limusine, festa numa mansão, baile e ritos nobres de discursos à mesa. E visto estas circunstâncias John pergunta para Justine se ela está feliz, mas tendo implícito em sua pergunta que ela deve(!) ficar feliz. Ela responde que sim, mas na festa demostra estar sempre cansada e de lá foge constantemente. Sua irmã, aflita em entender a indisposição de Justine, pergunta o que lhe aflige, e ela responde que possui um “cordão cinza nos pés” – é a bola de ferro da moralidade, que a aprisiona e a atormenta. E o ato de ter olhado para o céu ao chegar à festa, deixava-lhe clarividente que nada somos diante do Universo e que os valores morais são meras formalidades construídas pelo homem e transformadas, por ele mesmo, em arquétipos imanentes a se mesmo.
O niilismo de Justine leva-a ao total fracasso de sua festa. Ela é pressionada por sua irmã a renegar sua angustia; é pressionada pelo seu chefe de trabalho, também convidado da festa, lutando para não perder sua melhor funcionária; e por seu cunhado, impondo uma felicidade arquetípica. Justine é um ser dionisíaco aprisionada em muralhas apolínias. Atormentada, renega seu emprego; ignora o lamento de sua irmã e rasga o vestido da moral ao trair seu noivo durante a festa, simplesmente pelo ato de trair e não de obter prazer, destronando a felicidade arquetípica do matrimônio. E mesmo sem ter conhecimento do ocorrido, seu noivo a abandona, pois não entende a apatia dela para com ele e para com todos os elementos de uma noite construída para ser estritamente bela – tão bela quanto a estética de Apolo.
A segunda parte dedica-se a Claire que, muito antes do casamento de sua irmã, já vinha atormentada com a possibilidade do astro Melancholia se chocar com a terra, informação a qual vinha circulando em sites sensacionalistas. John, porém, é um astrônomo e afirma que o astro não se chocará com a Terra, pois os cálculos sistemáticos realizados pela comunidade científica chegaram a esta conclusão. Justine, por sua vez, está psicologicamente abalada, mas isto em nada tem a ver com o Melancholia, pelo contrário. Em uma das mais belas cenas do filme, vemos Justine à beira de um rio, com o seu corpo completamente nu, sendo iluminada pelo astro. Ela sente que o por vir é eminente e se delicia com a luz prateada do astro que faz de seu corpo nu uma Vênus entregando sua volúpia a Dionísio, assim como na mitologia grega. O Melancholia é um astro dionisíaco que está além das especulações matemáticas do homem, para compreendê-lo é necessário deixar-se embriagar por ele.
John representa o discurso cartesiano e cientificista da trama, de tal forma que, ao perceber que os cálculos estavam “errados”, ele suicida-se, e Claire perde seu único sustentáculo de certeza de uma não colisão do astro com a Terra. Seu tormento inverte os papéis na trama. Justine, aparentemente louca, passa a ser a personagem mais consciente de toda a trama, dando apoio a Claire e seu sobrinho, Leo. Com ela, a razão e a ciência cede lugar à tragédia. Para ela, se o fenômeno é inevitável, façamos dele êxtase, pois se o homem é parte da natureza, por mais que ele a decodifique à luz da Razão, ele sempre estará sujeito a ela e aos seus acasos.
Assim, Von Trier nos faz refletir, nesta trágica parábola, o quão insignificantes podem ser os valores morais, tanto sociais quanto cientificistas, se nos compararmos à imensidão do cosmo. O físico e astrônomo Marcelo Gleiser, em seu livro Criação Imperfeita, diferentemente do personagem John, nos mostra o quanto já foi descoberto sobre o universo e as possibilidades do que está para se descobrir, porém, afirma que nunca encontraremos uma lei que englobe todas as possibilidades, ou seja, uma lei universal. Se um renomado astrônomo faz tal afirmação, porque nós, agentes sociais, não podemos nos propor à quebra de arquétipos morais de acordo com as necessidades das circunstâncias? Ou seja, porque não aceitar a relatividade de padrões de valores, crenças e comportamentos? Isto é algo difícil para o ato de ser Humano, pois negar o a priori moral significa negar a imanência da ótica de mundo que até então lhe era vigente. E negando, abrimos um vazio que nos angustia dado as possibilidades de múltiplas óticas – e nem todos sabem lhe dar com o vazio de ser um grão de areia dentro desta multiplicidade, tanto na Terra quanto no Universo.
Daniel Gomes*
*Postado originalmente em 28 de agosto de 2011 no seguinte endereço:
http://niilismodeverao.blogspot.com/2011/08/tema-deste-texto-e-o-filme-melancolia.html
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