III janela internacional de cinema do Recife: um festival de gente grande
Cópia fiel
Masala Mama
Poesia (Shi)
Escolhi iniciar meu texto sobre a III janela internacional de cinema do Recife relatando um fato curioso: a não muito tempo, percebi que na parte interna do banheiro masculino do cinema da Fundação Joaquim Nabuco havia um adesivo divulgando a II janela internacional de cinema do Recife; ora, era óbvio tratar-se dum festival de cinema, mas eu não o conhecia e fiquei especulando (ainda que não por muito tempo) que tipo de festival seria. Não tardou e pude conferir com meus próprios olhos (e ouvidos, e etc.) do que se tratava, pois de realizou-se na capital pernambucana a terceira edição do evento.
Pois bem, que posso eu dizer acerca do festival como um todo? Pela grande quantidade de filmes, pela duração extensa do evento (mais de uma semana), pela quantidade de público (pequeno em algumas sessões, mas bastante expressivo noutras) e pela qualidade e diversidade dos filmes, posso afirmar tratar-se dum festival de gente grande. Cabe salientar que a organização também foi boa, com exceção de tortuosa estadia nas salas de espera do São Luiz e do cinema da Fundação, que são locais bastante quentes.
Ao contrário das versões anteriores do festival (as quais não fui, mas fiquei sabendo através de pesquisa), dessa vez as exibições de dividiram entre a Fundaj (cinema da Fundação Joaquim Nabuco) e o tradicionalíssimo São Luiz (reaberto no início do ano). Antes as divisão ocorria entre Fundaj e cineteatro Apolo.
Outro aspecto importante a se destacar consiste nas diferenças entre a janela internacional de cinema do Recife e o cine PE festival: este é bem mais antigo (iniciado em 1997, então com o nome festival de cinema do Recife), possui um público diversificado (em meio a cinéfilos e profissionais da área, são comuns os “arroz de festa”, que muitas vezes passam mais tempo do lado de fora do cineteatro Guararapes que dentro dele), e se restringe a exibição de títulos nacionais (entre curtas e longas, ficção e documentário, animações e não-animações); aquele, por sua vez, é recente (está em sua terceira edição), possui um público menor (embora não seja exatamente pequeno – durante a primeira exibição de “Três homens em conflito” quase todos os 700 lugares do São Luiz foram ocupados) e mais específico, embora também alterne a exibição de longas e curtas, ficção e documentário, animação e não-animação, não se restringe à títulos nacionais, exibindo filmes de diversos países.
Terminado o singelo relato sobre a estrutura e o significado do evento, passemos às considerações acerca dos filmes exibidos que consegui assistir (fica aqui aberto o espaço para que outras pessoas escrevam sobre os filmes não contemplados neste texto, mas também para que escrevam sobre filmes por mim aqui mencionados); para tornar a leitura mais agradável e facilitar a localização, porei cada obra em destaque, na ordem em que as assisti. Antes de escrever minhas considerações pessoais, postarei as sinopses dos respectivos filmes (extraídas de um pequeno caderno que estava sendo vendido no evento por 5$) logo abaixo dos títulos, destacados em itálico e postos entre parenteses.
Três homens em conflito (El buono, il bruto, il cativo, Itália/ Espanha/ Alemanha 1966, de Sérgio Leone)
(Em meio à Guerra Civil Americana, três homens, Tuco, Blondie e Angel Eyes, fazem de tudo para colocar as mãos em 200 mil dólares roubados.)
Primeiro filme de Leone que assisti, “Três homens em conflito” foi-me uma grata surpresa. Embora a classificação western/ faroeste não lhe seja indevida, trata-se, ao meu ver, de uma meia-verdade, pois a obra flerta com gêneros diversos; é importante esclarecer que esta terceira parte da chamada “trilogia do dólar” não necessita de conhecimento das anteriores para ser entendida, já que se trata duma trilogia temática (pistoleiros em busca de dinheiro no velho oeste ou algo semelhante), e não duma trilogia cronológica (tanto que atores de um filme interpretam papeis diferente em outro). Além disso, ao contrário das partes anteriores, esta, a final, merece a alcunha de obra-prima, pois mostra um diretor com pleno domínio da matéria-prima da qual se utiliza. Este será um dos filmes aqui abordados que merecerá resenha específica posteriormente. Por fim, cabe salientar que a primeira sessão (exibida no São Luiz) foi um marco: as quase 700 pessoas que compareceram ao tradicional cinema pernambucano aplaudiram o clássico de Leone após seu término (que se aproximou de 3h de exibição). Sessão memorável aquela.
Janela molhada (PE, 2010, de Marcos Enrique Lopes)
(A história dos pioneiros do cinema pernambucano, os italianos Ugo Falangola e J. Cambieri, e a problemática da restauração de acervos do cinema mudo brasileiro.)
O nome Marcos Enrique Lopes (diretor deste filme) não me era estranho: após haver lido alguma coisa do filósofo pernambucano Evaldo Coutinho (falecido em 2007), e de ter pesquisado sobre sua vida (já que este, apesar de sua profundidade e originalidade, foi quase totalmente ignorado em vida, situação esta que persiste após sua morte), cheguei ao nome de Lopes, que em 2000/1 dirigiu o documentário “A composição do vazio” tendo o filósofo como tema. Não tive oportunidade ainda de assistir tal obra, de modo que “Janela molhada” foi minha primeira incursão no cinema de Lopes. Como dito na sinopse, o filme (documentário), trata dos primórdios do cinema em Pernambuco, bem como do resgate dessas primeiras obras. A menção a filme encomendados, que divulgavam ideologias dominantes me remeteu à “Cinema, aspirinas e urubus”, filme que mostra um alemão que vendia aspirinas no sertão nordestino durante a segunda guerra mundial, utilizando-se de um cinema improvisado para divulgar o produto (filme belíssimo!). Já a menção ao papel dos imigrantes na produção das primeiras obras cinematográficas em PE me remeteu ao filme “Baile perfumado”, já que nele se mostra a história de alguém que filmou o bando de Lampião com o consentimento deste (um turco, se não me engano). Dentre os clássicos dos primórdios da sétima arte em Pernambuco, foram citados os seguintes filmes: “Veneza americana”; “A filha do advogado”; “Sangue mineiro”; “Aiataré da praia” (para quem quiser aprofundar-se no assunto, indico o pequeno livro de Alexandre Figueroa, intitulado “Cinema pernambucano: uma história em ciclos”, que narra dos primórdios até o chamado cinema de retomada, que vai até o final dos anos 1990, início dos anos 2000, bem como – acabo de descobrir este livro agora, ao escrever este texto – “Relembrando o cinema pernambucano”, de Paulo Cunha, que trata do cinema em Pernambuco nas décadas de 1920 e 1930). Por fim, cabe mencionar (e apoiar) a fala de protesto de Lopes acerca das dificuldades de exibição (incluindo a crítica ao fato de não se ter incluído “Janela molhada” na edição deste ano do Cine PE; sobre isso, afirmo o seguinte: não é por tratar do cinema pernambucano que o curta de Lopes merecia estar no festival, mas por sua qualidade, até porque, em que pese a alta qualidade de alguns dos curtas exibidos no Cine PE deste ano, sem sombra de dúvidas assisti a alguns que considero flagrantemente inferiores ao de Lopes). Cabe salientar ainda que este curta, juntamente com outros (não sei quais), está sendo vendido em dvd (por 10,00) no cinema da Fundação (no térreo, ao lado da portaria), mas ainda não consegui comprar o meu (sempre encontro o local fechado ¬¬). Por fim (quase esqueço), destaco a fala de uma mulher da plateia, que conclamou o cineasta a não desanimar e desistir de “brigar” para conseguir exibições, já que ambos – o realizador e o público – sairiam perdendo. Intervenção deveras pertinente, mostrando que o debate, por vezes, mais que importante, é essencial.
Fantasmas (MG, 2009, de André Novais de Oliveira)
(O fantasma da ex.)
Filme curiosíssimo, mostra-nos um cenário de um posto de gasolina e suas imediações, complementado pela conversa de dois rapazes (que em momento algum aparecem); não é difícil perceber tratar-se duma câmera (mesmo antes que os diálogos confirmem a suspeita) e o desfecho é surpreendente, criativo e um tanto absurdo (e, no entanto, verossímil): ver para esquecer (se não deu para entender, assistam o filme; não fui mais específico para não estragar a possível surpresa). Cabe mencionar um fato curioso: em que pese a qualidade do filme, durante o debate com os realizadores dos curtas exibidos naquela sessão, o diretor de “Fantasmas” não conseguiu falar satisfatoriamente sobre seu filme; percebi timidez que o deixava desconfortável naquela exposição pública de sua pessoa.
Supermemórias (CE, 2010, de Danilo Carvalho)
(Mais uma memória para uma cidade sem lembranças... Um olhar sobre a cidade de Fortaleza – CE – Brasil – a partir de registros caseiros em super 8 das décadas de 60, 70 e 80. Este filme é fruto de uma manifestação da cidade no ato de doar suas memórias para uma poesia coletiva.)
Um filme bonito, que se vale de diversas (flagrantemente antigas) imagens de famílias na praia (mas em outros locais também), mas que me pareceu um tanto vago quando de sua exibição. Porém,
este filme se torna muito mais interessante quando nos é explicado do que se trata (a sinopse acima, que eu não lera antes de assisti-lo cumpre um pouco esta função, porém, foi a fala do diretor, pós exibição que tornou o filme mais interessante); trata-se de um verdadeiro “caleidoscópio afetivo” (são palavras dele), no qual se fundem imagens antigas de diversas famílias de Fortaleza, que as cederam ao cineasta, para compor a obra. O que as unifica? Justamente a temática de memória, somada a esta abordagem familiar (não recordo de imagens que mostrassem pessoas só).
Aeroporto (PE, 2010, de Marcelo Pedroso)
(Estarei partindo logo. É estranho pensar que esse tempo está acabando, as pessoas que conheci aqui parecem quase velhos amigos agora. Provavelmente, nunca mais vou vê-las. Um pensamento triste, mas acho, bem realista. A Austrália é tão longe do resto do mundo...)
Trata-se dum filme interessante, em certo sentido semelhante ao anterior (enfatizando as imagens em detrimento das palavras, ainda que estas não sejam inexistentes), mas, ao contrário daquele, aqui temos imagens novas, recentes e um espaço maior para depoimentos, ainda que a imagem prevaleça. As cores são fortes, belas e marcantes. No entanto, o que mais chamou-me atenção foram aspectos dos quais me apropriei de maneira muito pessoal: a idéia de que quem possui residência com pátio deseja prédio, como forma de segurança (isto me lembrou uma amiga que mora em SP e me relatava o quão inviável – por questões justamente de segurança – se tornou morar em casas naquela cidade); a contraposição de Brasília como utopia, e São Paulo como distopia; e aquilo que mais me envolveu: o início num pátio de aviões, mostrando-se uma mulher tomando café num aeroporto (situação na qual me vi pouco tempo antes de assistir ao filme e que por isso tornou-se bastante próxima para mim).
Por um punhado de dólares (Per um pugno dei dollar, Itália/ Espanha/ Alemanha 1964, de Sérgio Leone)
(Joe, um ex-sargento do exército da União, durante a Guerra Civil, dirige-se a San Miguel, um povoado na fronteira do México com os Estados Unidos, onde reina a confusão e abundam os bandidos e as viúvas. Neste povoado, duas famílias disputam a supremacia do território.)
Esta primeira parte da chamada “trilogia do dólar” de Leone corresponde a um típico filme western (faroeste), sem as grandes interpretações e sofisticações estéticas e narrativas de “Três homens em conflito” (terceira parte e disparado o melhor filme da trilogia). Trata-se do filme que tornou Clint Eastwood conhecido, consistindo numa adaptação ou releitura de “Yojimbo” (1961) de Kurosawa, substituindo o samurai do filme original por um pistoleiro do velho-oeste. Há algumas boas sacadas, como as belas paisagens naturais, o close nos pés de dois homens que duelam e algumas falas interessantes, como aquela em que o oportunista (quiçá ganancioso) protagonista afirma: “quando tem dinheiro um homem começa a gostar da paz”.
Copie conforme (Certified Copy, França/ Itália, 2010, de Abbas Kiarostami) Cópia fiel
(Essa é a estória do encontro entre um homem e uma mulher, em um pequeno vilarejo ao sudoeste de Toscana. O homem, um escritor britânico que acabara de dar uma palestra em uma conferência. A mulher, francesa, dona de uma galeria de arte. Essa é uma estória comum. Poderia acontecer com qualquer um. Em qualquer lugar.)
Tomei conhecimento do cineasta iraniano Abbas Kiarostami quando um amigo (cerca de 1 anos antes do evento em questão) gravou para mim “Gosto de cereja” (entre outros, os quais ainda não assisti ¬¬); li sobre o filme no livro “1001 filmes para ver antes de morrer” e cheguei até a encontrar um artigo sobre o cineasta na internet, mas só travei contato efetivo com sua obra ao assistir “Certified Copy” (traduzido, de maneira demasiado literal no folder do evento como “Copie conforme”, mas traduzido, de maneira mais apropriada nas legendas do próprio filme como “Cópia fiel”); trata-se de outro filme que merece uma resenha a parte; o que posso dizer resumidamente é que esperava um filme mais artístico e mais denso (acabei achando-o mais comum do que esperava), porém, gostei bastante dele e este aspecto “comum” parece antes um mérito do que um defeito, pois o filme não deixa de ser profundo e esteticamente belo (e também poético); no entanto, não há espaço para romance idealizado: vemos, isso sim, a dificuldade de entendimento entre um casal de meia idade que se respeita, se gosta, mas não se entende. Uma simplicidade aparente que “esconde” grande profundidade; um ótimo exemplo consiste em como pequenos detalhes fazem toda diferença para uma mulher, algo que é mostrado de forma simultaneamente sutil e contundente. Filmaço.
Não filme em três actos e um prelúdio (Portugal, 2010, de Rita Macedo)
(Um passeio conduzido por uma cabeça sem corpo, dois personagens invisíveis que têm pedras como corpos, uma cineasta sufocada por seu próprio filme e duas criaturas solitárias tipo Virgem Maria.)
É possível que o idioma (português de Portugal, muito próximo do brasileiro na escrita, mas bastante diferente na pronúncia) tenha atrapalhado significativamente minha apreciação do filme, que independentemente disso é hermético, experimental, mas o fato é que achei-o chato, pretensioso e nada consegui retirar dele (o que não significa que eu seja um detrator do hermético/ experimental em si).
Rech. Jf pour court métrage rémunére (Procuro garota para trabalho remunerado em curta metragem, França, 2010, de Manuel Schapira)
(Atriz que também trabalha na bilheteria de uma sala de cinema, responde a um anúncio de teste de elenco.)
Dando continuidade a sinopse, o que posso dizer é que a pretensa atriz encontra o diretor/ produtor e percebendo sua conversa fiada (ainda que ele pudesse realmente ser o que dizia e pretende-se de fato usa-la no filme, o fato é que o “fator cama” estava incluso no pacote). Ao contrário do anterior este filme nada tem de hermético, mas não entendi onde ele queria chegar, pois limita-se a retratar uma acontecimento cotidiano; não há crítica, apologia, reflexão acerca dele, apenas sua exposição, algo que remete ao documental, embora trate-se duma ficção. (Talvez seja baseado numa história real e tenha valor subjetivo para alguém...).
Amnesia (Rússia, 2009, de Cornelia Swann)
(Inspirado por uma série de TV e “Rebecca” de Hitchcock, o filme começa com uma heroína que descobre que seu marido é Pierce Brosnan. Ele dá pra ela um celular para que ela lembre do seu passado.)
Primeiramente, não consegui perceber absolutamente nada do que é dito nesta sinopse no filme; eis minha tentativa de descreve-lo: trata-se duma narrativa em que o narrador não aparece; cenas cotidianas (mar, pessoas, objetos) são mostradas e o que me parece ser o foco do filme é a questão: “o que é real?”. Achei-o um tanto hermético e me perdi em sua narrativa (seria esse o intuito?), mas não o achei aborrecido e pretensioso como o filme português de Rita Macedo acima comentado.
Masala mama (Singapura, 2010, de Michael Kam)
(Um garoto fascinado por super-heróis rouba uma revista de quadrinhos de uma pequena mercearia indiana (“mama shop”).)
O vendedor da mercearia acaba se convertendo no herói idealizado do garoto, constituindo uma espécie de mistura entre super-Mario e Robin; o filme é leve, divertido e curtinho.
Long live the new flesh (Vida longa à nova carne, Bélgica, 2009, de Nicolas Provost)
(Fragmentos de filmes de horror se consomem entre si. Uma nova história visual surge além do terror.)
Boa parte dos filmes “modificados” nesta curta me são completamente estranhos; talvez o mais famoso seja “O iluminado” que aparece – como todos os demais – de forma estilizada, uma imagem “derretendo” e originando outra, cores borradas, num verdadeiro mosaico caledoiscópico. Aparece também o filme Alien (não sei qual/ quais); a trilha sonora é potente, a intensidade e mistura das cores remete à pintura, numa imbricação entre o figurativo e o abstrato. Sendo estranho e envolvente, o filme pode ser satisfatoriamente descrito como uma psicodelia visual.
Por uns dólares a mais (Per qualche dollar in piu, Itália/ Espanha/ Alemanha 1965, de Sérgio Leone)
(Nos tempos em que valia mais um morto que um vivo, dois caçadores de recompensas: “O Manco” e o Coronel Mortimer. Rivais entre si a princípio, acabam se unindo para conseguir uma mesma presa, “O Índio”, um perigoso e sanguinário bandido pelo qual se oferece a mais alta recompensa conhecida.)
Na segunda parte da “trilogia do dólar” de Leone, há uma nítida evolução em todos os sentidos, a começar pelas atuações (o protagonista Eastwood é, sem dúvida, o mais fraco, mas o outro caçador de recompensa convence) e merece destaque ainda o atípico vilão de olhar perdido, que parece antes melancólico do que sádico. Penso que este esteja mais perto de “Por um punhado de dolares” que de “Três homens em conflito” (ou seja, constituindo antes um bom faroeste, do que uma obra-prima polivalente, travestida de faroeste mas transcendendo o gênero); no entanto, acredito que este segundo episódio ilustre bem a evolução que iria culminar no excepcional fechamento da trilogia. Frase marcante: “roubar é fácil, difícil é permanecer com o dinheiro”
Copo de leite (PE, 2004, de Jura Capela)
(Três mulheres conectadas pela música, pela água do mar, pela água doce e por um copo de leite.)
Trazendo Hermila Guedes como uma das protagonistas, o filme me pareceu vago demais; nada consegui apreender dele e limitei-me a apreciar o belo corpo parcialmente nu de outra das protagonistas, em belas cenas na praia.
Paranã-Puca “onde o mar se arrebenta” (PE, 2010, de Jura Capela)
(Documentário sobre o panorama das artes plásticas da capital de Pernambuco. O filme é uma pesquisa sobre os diversos grupos de arte e artistas da década de 1930 até os dias atuais. A narrativa mostra as várias situações econômicas e históricas que se passaram nestas décadas no Brasil. A pesquisa é baseada em artistas do Recife, localizado no nordeste brasileiro, mas os depoimentos refletem de uma forma direta a situação da arte contemporânea em todo o país.)
Trata-se de um longa rico naquilo que se propõe a mostrar, tendo como principal veículo para tanto, depoimentos de importantes artistas como Abelardo da Hora e Paulo Brucky; no caso do primeiro, destaco sua fala acerca da influência que Diego Reviera exerceu sobre os artistas plásticos no que concerne ao papel social da arte (em meados do século XX, pois Abelardo já é bastante idoso); Bruscky, por sua vez, possui perfil mais provocativo; entre suas afirmações está a de que no período da ditadura só se pensava por meio de provocação (pelo que eu entendi, sua perspectiva é a de que só se conseguiria acordar o “povão” de sua letargia mediante choques); proclamando-se artista conceitual, Bruscky afirma ter-se enveredado pelo funcionalismo público como forma de obter liberdade artística, sem ter de fazer concessões; afirmou ainda que a função do artista é deixar o testemunho de sua época; Gil Vicente também aparece no filme, mas não lembro se pessoalmente ou só em relatos de outro/s. Filme importante para melhor conhecer-mos a cultura pernambucana no âmbito das artes plásticas (ainda hoje não gozando do mesmo status que outros gêneros artísticos, salvo exceções).
Baptista virou máquina (de Carlos Dowling) filme concerto banda Burro Morto
(Entenda-se por trilha -visual o filme composto com base nas músicas e conceitos narrativos-sonoros provocadores iniciais, buscando uma sobreposição visual e imagética à sonoridade a ambivalência musical, resultando na busca de processo audiovisual integrado.)
A idéia era aliar o filme (que possui momentos de sonoridade própria) com músicas executadas ao vivo por uma banda (para mim, não sendo som e imagem produzidos simultaneamente, faria mais sentido a trilha ser composta para o filme e não o contrário, como a sinopse afirma ter ocorrido) pareceu-me flagrantemente mal sucedida. O filme se inicia com um homem trabalhando numa fábrica – ou algo similar – , adormecendo e enveredando por uma quase epopeia; um dos momentos que merece destaque é aquele onde ele adentrar uma espécie de bar/ boate vazia e liga uma junkebox; simultaneamente a banda recomeça a tocar (trecho particularmente vigoroso) e o protagonista se vê em meio a várias mulheres nuas, mas usando mascaras (daquelas que se usa quando vai sodar algo, para proteger a visão e o rosto), enquanto ele aparece sem a máscara (que usava no começo do filme); a medida que o enredo avança, fica-se cada vez mais confuso e surreal, mas não exatamente envolvente; a música, por outro lado (a cargo da banda Burro Morto) mostrou-se envolvente; prevalecendo o rock, com pitadas de progressivo e trechos mais pesados, o som exclusivamente instrumental dos caras se destacou em relação às imagens, ao invés de se fundir com elas (cabe salientar que tal opinião, de que a música foi melhor que as imagens, e de que estes dois aspectos não casaram como se pretendia, foi compartilhada por um amigo meu).
Desassossego (filme das maravilhas) RJ/CE/MG/SP, 2010 Karim Aïnouz
(Baseados em uma carta inspirada em um bilhete escrito por uma menina de 16 anos, quatorze cineastas do Rio, de Minas, do Ceará e de São Paulo, dirigiram os fragmentos de aventura, utopia e explosão reunidos neste filme. Terceira parte da trilogia Coração no Fogo.)
Quando assisti ao filme, não havia lido a sinopse, o que tornou o enredo vago, porém, no debate, realizado após a exibição, as informações tornaram-no um pouco mais compreensível; trata-se dum mosaico cinematográfico: diferentes cineastas gravaram suas respectivas partes e estas foram reunidas numa unidade fragmentária; cabe salientar que a versão exibida possuía 55 minutos, sendo a final terá 1:10, ganhando prólogo. Sendo difícil descrevê-lo em detalhes, cabe a cada um tentar assisti-lo (para mim, foi um filme a mais entre outros, sem destaques positivos ou negativos).
Poesia (Shi, Coréia do Sul, 2010, de Lee Chang-Dong)
(Mija vive com seu neto e uma cidade localizada nas encostas do rio Han. Por um acaso, ela acaba entrando em uma “aula de poesia” que acontece em um centro cultural na vizinhança e é desafiada pela primeira vez em sua vida a escrever um poema. Sua busca pela inspiração começa com uma observação do cotidiano da vida e da beleza que há nela, das coisas que acontece ao seu redor e que ela nunca havia reparado antes. Mija nasce novamente.)
Embora tivesse boa expectativa em relação ao filme (bem como ao cinema coreano como um todo), posso dizer que “Poesia” foi-me uma grata surpresa. Trata-se dum exemplo contundente de como a simplicidade e a sutileza podem render um resultado excepcional. A sinopse acima reproduzida retrata bem o enredo do filme, esquecendo de duas coisas importantes: simultaneamente à busca da protagonista pela poesia (por produzi-la), somos apresentados a vileza do mundo real: seu neto (mal educado, por ter sido mimado) praticou, juntamente com outros jovens, estupros a uma jovem que acabou se suicidando e para evitar que isso chegasse a público, os pais (ricos) dos outros garotos fizeram um alto acordo financeiro com a pobre camponesa mãe da garota; além disso, a protagonista descobre estar em estágio inicial de alzheimer (de modo que provavelmente, em alguns anos – ou meses! – não se lembrará da poesia buscada). No entanto, é justamente da beleza do mundo (flores, pássaros, a beleza das palavras nas poesias de outrem, bem como do cuidado, atenção e apreço dedicados a elas) que a protagonista irá se nutrir, não para escrever o poema, mas para acha-lo no coração, como diz numa de suas falas.
Alberto Bezerra de Abreu (novembro de 2010 – fevereiro de 2011)
About Me
- Miradouro Cinematográfico
- Alguém que escreve para viver, mas não vive para escrever; apaixonado pelas artes; misantropo humanista; intenso, efêmero e inconstante; sou aquele que pensa e que sente, que questiona e duvida, que escapa a si mesmo e aos outros. Sou o devir =)